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A Perspectiva de um Mórmon a respeito da Greve e Paralisação do Trabalho

–Atenção: este artigo não representa a posição oficial da Igreja. É a opinião do autor.–

 

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Igreja Mórmon) é o Reino do Senhor Jesus Cristo na Terra. Cristo é o Príncipe da Paz. Ele deixou esta grandiosa bênção enquanto estava na Terra: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vô-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.” (João 14:27)

Talvez essa seja uma introdução pouco usual quando o assunto é greve, notadamente quando estamos interessados em descobrir se participar de uma greve é não apenas legítimo, mas moralmente correto para um santo dos últimos dias (mórmon). Mas o fato de termos por objetivo a paz pode ser o caminho mais adequado para descobrirmos se uma determinada manifestação é adequada ou não.

 

O que é uma Greve?

Uma greve é nada mais do que a paralisação coletiva e voluntária do trabalho, que visa corrigir uma injustiça ou obter mais direitos. Muitas são as greves importantes na História do Mundo. Algumas permitiram que preciosos direitos fossem reconhecidos – e, de fato, certas greves melhoraram as condições de trabalho. Um exemplo se vê na Revolução Industrial: greves e paralisações reduziram a jornada de trabalho, melhoraram os salários e deram uma qualidade melhor de vida aos operários.

No começo as greves não eram legais (ou seja, não estavam previstas na lei). Entretanto, com o tempo, passou-se a normatizar as greves. Nossa Constituição, por exemplo, prevê a possibilidade de greve (art. 9º) – como último recuso contra os abusos dos patrões.

Na estrutura organizacional de nossa sociedade há sindicatos que determinam a possibilidade ou não de greve de determinada categoria. Às vezes, mesmo que sejamos contrários a greve, acabamos por participar indiretamente, pois fazemos parte de um sindicato que decidiu entrar em greve.

Muitas greves são utilizadas como manobras políticas. Assim, alguns dos nobres objetivos de uma greve acabam sendo maculados – o que faz com que muitas pessoas prefiram não aderir a estes movimentos.

A palavra greve também é usada quando há paralisação de certas atividades, ainda que não laborais – como a “greve dos estudantes”.

 

É certo entrar em Greve?

Essa pergunta é muito difícil, se não impossível de ser respondida em abstrato. Há uma variedade infinita de situações e circunstâncias que justificam ou não uma greve.

Entrar em greve leva em consideração fatores como abusos, injustiças, necessidade de melhoria nas condições de trabalho, etc. Ou deveria levar!

A greve, deveria ser o último recurso – mas infelizmente, às vezes, acaba sendo o primeiro.

Quando uma categoria de trabalhadores entra em greve a sociedade inteira é, em maior ou menor grau, afetada. Alguns serviços, considerados essenciais, não podem parar de ser ofertados de maneira geral e absoluta – a lei brasileira exige que serviços de saúde, por exemplo, continuem a ser prestados – mesmo durante a greve dos trabalhadores desta categoria.

Nosso Direito dá ao Poder Judiciário prerrogativa para decidir quando uma greve é abusiva ou não. E se o for, haverá consequências para os ligados à greve.

A questão de todo artigo, porém, extrapola a legalidade. Interessam-nos saber  se um bom santo dos últimos dias, que frequenta a Igreja aos domingos, realiza a noite familiar, ora todos os dias e procura compartilhar o evangelho pode ou não aderir a uma greve.

Separamos algumas citações e escrituras, que revelam os princípios que pautam uma decisão sábia: a decisão que leva e promove a paz.

 

Princípios para tomar a decisão

Pessoas da área médica precisam muitas vezes trabalhar no domingo1-Devemos trabalhar.

O Senhor nos ordenou trabalhar seis dias e descansar um (Êxodo 20:9-10). Ele também disse que é sua vontade não sermos ociosos, mas que trabalhemos com toda a força (D&C 75:3). O Senhor também requer que sejamos honestos e íntegros:

“Enganamos quando damos menos do que devemos ou quando recebemos algo que não merecemos. Alguns empregados enganam os patrões deixando de trabalhar o tempo todo pelo qual são pagos. Alguns patrões não são justos com os funcionários, pagando-lhes menos do que deviam. Satanás diz: “Aproveitai-vos de alguém por causa de suas palavras, abri uma cova para o vosso vizinho” (2 Néfi 28:8). Tirar vantagem injustamente é uma forma de desonestidade.” (“Honestidade”, Princípios do Evangelho, pg. 179-183)

 

2-Devemos obedecer nossos patrões.

O Apóstolo Paulo ensinou que os empregados e trabalhadores devem ser honestos e obedecer aqueles que os contrataram (Efésios 6:5-9). É evidente que essa obediência não é cega e nem absoluta. Uma ordem imoral ou ilegal não deve ser seguida.

Quando entramos em uma relação de trabalho devemos ter em mente que estamos sob um contrato. Devemos ser um bom exemplo, desempenhando bem nossa função.

 

3-Compreender a lei da colheita e ser paciente.

Jenkins Lloyd Jones, um escritor do jornal Deseret News disse:

“Quem imagina que a vida tem que ser sempre um paraíso vai perder muito tempo correndo por aí e gritando que foi roubado.

A maioria das jogadas não acaba em gol. Os ossos, na maioria das vezes, são duros de roer. Na maioria das vezes, as crianças, quando crescem, não se tornam nada além de pessoas comuns. A maioria dos casamentos bem-sucedidos exige um alto grau de tolerância mútua. A maioria dos empregos é maçante a maior parte do tempo. (…)

A vida é como uma viagem de trem em tempos passados: atrasos, desvios, fumaça, poeira, cinzas e solavancos, entremeados ocasionalmente por belas paisagens e emocionantes arrancadas de velocidade.

O segredo é agradecer ao Senhor por deixá-los fazer a viagem” (Deseret News, 12 de junho de 1973).

Essa citação deixa bem claro uma realidade que alguns, principalmente os jovens, não querem entender: que o trabalho dos sonhos às vezes demora pra chegar. É preciso muito esforço, dedicação e paciência para atingir uma colocação confortável. Não adianta revoltar-se. É preciso esperar e esperar.

Neste aspecto é bom entender a lei da colheita – que é eterna. Aquilo que plantamos, em termos de sacrifício, diligencia, honestidade e preparação – colhemos, no devido tempo, em forma de bênçãos temporais e espirituais.

 

4-Devemos procurar primeiro os meios menos radicais para solucionar os conflitos e injustiças.

Paulo também ensinou que devemos evitar contender (2 Timóteo 2:24). O próprio Salvador ensinou que o pai da discórdia é o diabo (3 Néfi 11:29). Devemos ser pacíficos e mansos (1 Pedro 3:4, Salmos 37:11). Isso não significa aceitar a injustiça passivamente. Somos admoestados a levantar a voz, dar o exemplo e lutar pela retidão (D&C 115:5, 109:73).

O Senhor deu aos nefitas uma lei chamada lei da guerra (Alma 43:46). Ela foi repetida em nossa dispensação (D&C 98:33–36). Podemos seguir essa lei procurando sinceramente a paz várias vezes, antes de procurar resolver um conflito por meios mais drásticos.

 

5-Se for necessário entrar em greve devemos continuar a ser verdadeiros discipulos do Príncipe da Paz.

Há situações em que não resta alternativa para proteger direitos – a não ser, agir de modo enfático. Neste caso, podemos, com a consciência tranquila, aderir a movimentos legítimos que procuram melhorar a qualidade de vida e as condições de trabalho. Porém, precisamos estar dispostos a seguir todas as leis do país – e não deixar de lado nosso viver cristão.

O Élder Jeffrey R. Holland ensinou:

“Lição número um para o estabelecimento de Sião no século 21: Nunca deixem sua religião na porta.

Esse tipo de discipulado é inadmissível — na verdade, nem sequer é discipulado. Como o profeta Alma ensinou, devemos “servir de testemunhas de Deus em todos os momentos e em todas as coisas e em todos os lugares em que [nos encontremos]” (Mosias 18:9) — não apenas em parte do tempo, em alguns lugares ou quando nossa equipe estiver ganhando.

Seja qual for a situação, a provocação ou o problema, nenhum discípulo verdadeiro de Cristo pode deixar sua religião na porta.” (Extraído de um discurso proferido no devocional do SEI, “Israel, Jesus Te Chama”, na Universidade Estadual Dixie em St. George, Utah, em 9 de setembro de 2012.)

 

Um Exemplo moderno

Presidente Gordon B HinckleyO Presidente Gordon B. Hinckley contou uma experiência pessoal sobre entrar em greve. Ele disse:

“No ano em que nos matriculamos no colegial, o prédio não comportava todos os estudantes, e nossa classe do sétimo ano foi mandada de volta para a escola elementar. Ficamos furiosos. Havíamos passado seis anos infelizes naquele local e nos considerávamos merecedores de algo melhor. Os meninos da classe se reuniram depois da aula e decidimos entrar em greve.

No dia seguinte, não aparecemos na escola. Não tínhamos, entretanto, para onde ir. Não podíamos ficar em casa, pois nossas mães fariam perguntas. Não pensamos em ir a algum cinema no centro da cidade porque não tínhamos dinheiro para isso. Nem pensamos em ir ao parque, pois temíamos ser vistos. Simplesmente andamos ao léu e desperdiçamos o dia.

Na manhã seguinte, o diretor, sr. Stearns, estava à nossa espera na porta da escola. Disse-nos que não poderíamos voltar à escola, a não ser que trouxéssemos um bilhete de nossos pais. Fazer greve, disse ele, não era maneira de resolver um problema. Se tínhamos uma queixa, podíamos ter ido à sala do diretor e discutir o assunto.

Lembro-me de que entrei envergonhado em casa. Minha mãe perguntou-me o que havia acontecido. Contei a ela. Ela escreveu um bilhete. Era bem curto. Foi a reprimenda mais dolorosa que jamais me deu. Estava escrito:

“Prezado sr. Stearns,

Por favor desculpe a ausência de Gordon ontem. Sua atitude foi apenas um impulso de seguir o grupo.”

Nunca me esquecerei das palavras de minha mãe naquele bilhete. Resolvi, naquele instante, que nunca mais faria nada apenas para seguir a maioria. Decidi que tomaria minhas próprias decisões, baseando-me no mérito da questão e em meus padrões, e não seria pressionado em uma ou outra direção por aqueles que me cercavam. Essa decisão abençoou-me a vida em várias ocasiões.” (“Seguir o Grupo”, A Liahona Agosto de 2004, de um discurso da conferência geral de abril de 1993)

Essa pequena experiência nos ensina algo importante: precisamos procurar solucionar os problemas e enfrentar os desafios com franqueza, coragem e da maneira menos radical possivel. Ademais, entrar em um movimento grevista apenas por entrar não é sábio. Temos que estudar bem as questões que nos chegam e agir conforme pensamos ser o melhor.

Conclusão

Entrar ou não em greve é uma questão pessoal. Pode ser errado ou certo, depende das circunstâncias.

No livro Milagre do Perdão, do Presidente Spencer W. Kimball, lista “greve” como um tipo de pecado (pg. 25). Entendo que aderir a greve realmente pode ser um comportamento errôneo quando não há justificativa. Há greves, porém, como procurei mostrar durante o artigo, que são necessárias. Como disse o Profeta Joseph Smith:

“Aquilo que é errado sob certas circunstâncias, pode ser, e geralmente é, certo em outras.” (Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, pg. 249)

Como discipulos do Principe da Paz procuramos resolver todos os conflitos de maneira tranquila e pacifica. Queremos ser bons cidadãos, cumpridores das leis. Também desejamos ser bons em nosso trabalho. Se estivermos sujeitos a um contrato, iremos honrá-lo, procurando fazer o melhor.

Cremos em ser honestos e íntegros.

Havendo desafios, procuraremos superá-los de maneira proba, digna e menos gravosa para a comunidade.

Quando a ocasião exigir que tomemos decisões difíceis – e que meios drásticos sejam escolhidos – como entrar numa greve – nós o faremos. Mas ainda assim, procuraremos ser exemplo dos fiéis “na palavra, no trato, no amor, no espírito, na fé, na pureza” (1 Timóteo 4:12).

 

 

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Adendo

É preciso salientar, após a leitura de comentários nas redes sociais, que a Igreja não se posicionou oficialmente sobre as greves. Há poucas citações na literatura da Igreja sobre o tema.

Quando o título deste artigo foi sugerido “a perspectiva mórmon sobre a greve” salientou-se o objetivo do mesmo: procurar entender se a participação em uma greve  de um membro fiel da Igreja é adequada ou não. A resposta obtida foi: depende! Cada pessoa deverá julgar de acordo com as circunstâncias em que esta inserida. Essa resposta desgostou alguns leitores, mas o fato é que embora a greve seja ruim em determinadas circunstancias – é benéfica em outros. Após enfrentar o problema essa foi a melhor resposta que obtive.

Alguns leitores também questionaram a pertinência do tema. Neste aspecto desejo dizer que minha vontade foi a de criar uma literatura inédita – onde membros da Igreja poderiam encontrar algo sobre o tema que antes não encontravam – e a partir disso construir suas próprias convicções.

Acho importante escrever e reescrever sobre os grandes temas – mas tratar sobre aspectos mais obscuros – e até aqueles que, aparentemente, estejam desconexos com a religião – é importante. Acredito que a verdade é una. Todo conhecimento esta interligado. Também penso que não devemos beber apenas leite – mas nos banquetear na diversidade de assuntos que engloba nossa fé. Assim “não limite para fazer livros [ou escrever artigos], e o muito estudar é enfado [apenas para] carne [mas não para o espírito!]” (Eclesiastes 12:12).

| Para refletir
Publicado por: Lucas Guerreiro
Escritor, Advogado, Membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/SP, Membro da J. Reuben Clark Law Society São Paulo. Fez Missão em Curitiba - Brasil. Gosta de desenhar, estudar filosofia, fotografar, viajar e assistir series de super-heróis.
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