Visões Mórmons Sobre a Riqueza, Bem-Estar e Economia
David Neeleman lançou a JetBlue em fevereiro de 1999 tendo a experiência missionária mórmon no Brasil ainda viva em sua mente.
Tendo visto a extrema pobreza e a rígida distinção de classe daquele país, Neeleman construiu seu modelo de negócios. Seus aviões não possuem uma primeira classe. Seus executivos não possuem estacionamentos reservados ou refeitório exclusivo. Nenhuma seção de primeira classe nos seus aviões. E uma forte ética de gerentes e funcionários que trabalham lado a lado.
“Eu abomino as pessoas que pensam que são melhores que as outras porque têm mais dinheiro”, diz ele em entrevista por telefone de sua casa em Connecticut. “Isso é desprezível”.
Neeleman, que agora dirige uma companhia aérea brasileira, a Azul, ganhou muita atenção do público por sua abordagem. Mitt Romney, outro Mormon que disputa a indicação do partido Republicano para concorrer à presidência dos Estados Unidos e tentar consertar a economia, coloca em evidencia a visão Mórmon sobre a riqueza e economia.
Uma coisa é clara: Muitos empresários, homens e mulheres Mórmons, acabam como Romney, no topo da escada corporativa, obviamente capazes de competir em uma economia de livre mercado. Estudiosos apontam como responsável a educação Mórmon, recebida por esses titãs da indústria, o principal catalisador de suas conquistas, citando o treinamento precoce recebido pelos SUD para falar em público, as experiências missionarias internacionais, o conhecimento de uma segunda língua e a capacidade de trabalhar bem dentro de um rigoroso sistema. Além disso, os Mórmons fiéis contam com uma reputação de honestidade e vida ilibada – onde é proibido fumar, beber ou levar uma vida desenfreada.
Porém poucos, fora da fé Mórmon, reconhecem a vertente de Neeleman do pensamento econômico Mórmon, incluindo as noções de gestão, cooperação e compartilhamento.
Você não pode ler o Livro de Mórmon, a escritura Mórmon por excelência, “sem fazer ponderações a respeito da igualdade social” diz Kim Smith, que trabalhou na Goldman Sachs em Nova York e agora leciona na Universidade de Brigham Young.
O Livro, diz ele, “deixa claro e de modo inequívoco a nossa responsabilidade para com os pobres”.
O grande experimento » Desde o início, Joseph Smith, o fundador da Igreja Mórmon sabia de sua responsabilidade em cuidar de seu rebanho em expansão na maior parte composta por agricultores pobres e humildes religiosos. Ondas de imigrantes convertidos vieram da Costa Leste Americana e da Europa para formar o que eles esperavam que fosse uma nova sociedade de Sião.
Mais de um quarto das revelações divinas recebidas por Smith que se encontram hoje no livro de Doutrina e Convênios são relacionados à economia, diz Warner Woodworth, professor da BYU de comportamento organizacional.
Smith foi inspirado a criar um plano conhecido como a Ordem Unida, na qual, os mórmons dariam todos os seus bens para a igreja, e então, receberiam aquilo que fosse necessário para atender as “as suas famílias, de acordo com suas condições e necessidades”.
A Ordem Unida, como ensinada pelo apóstolo mórmon Marion G. Romney é o programa do Senhor para “eliminar as desigualdades entre os homens”. Em suma, alguns recebem mais do que dão, outros menos. Este sistema “exalta os pobres e humilha os ricos”.
Esta não é exatamente a agenda da plataforma politica do Partido Republicano, nem dos Democratas, para a economia.
Alguns dizem que ela não é nada mais do que o socialismo. Isso não é verdade, de acordo com os líderes da igreja, porque, entre outras razões, a Ordem Unida é voluntária e não política, e os participantes detém uma propriedade.
Embora a Ordem Unida e as empresas cooperativas em Utah, não durarem muito, a idéia Mórmon da “consagração” durou. Nos templos SUD, os membros da igreja fiéis concordam em desistir de tudo em favor da fé, se necessário. A igreja também espera que os mórmons doem 10 por cento dos seus rendimentos, assim como que contribuam para um fundo destinado aos pobres (apelidado de ofertas de jejum). Além disso, os membros podem fazer doações aos fundos de educação e de templos para ajudar os mórmons do terceiro mundo, juntamente com a ajuda humanitária e missionária.
Em 1936, a igreja criou seu próprio “sistema de bem-estar” para ajudar os membros que estivessem desempregados ou passassem por um período de necessidade financeira. Estes deveriam dirigir-se aos seus bispos para requisitar uma autorização para irem até o “armazém do bispo”, onde poderiam obter bens, alimentos, roupas e outros utensílios em troca de trabalho voluntário. Embora tenha sido concebido durante a Grande Depressão, esse programa continua até hoje e se expandiu por todo o globo.
Milhões receberam ajuda e saíram de circunstâncias difíceis por causa desse programa.
Mas os mórmons são rápidos em fazer uma distinção entre o programa da igreja e os do governo – os santos dos últimos dias, ao contrário de muitos políticos, não hesitam em chamar seu programa de “programa de bem-estar”.
Os Mórmons são mais receptivos aos princípios de assistência da Igreja SUD, diz Ned Hill, ex-reitor da Marriott School of Management na BYU, “porque somos ensinados que ele é temporário e projetado para ajudar alguém a atingir a autossuficiência”. Muitos acreditam que o sistema governamental não foi concebido com a premissa da “temporaniedade” em mente.
O programa SUD funciona, em parte, porque ele é edificado nas interações face-a-face.
“Cada vez que alguém se senta com o bispo ou presidente de ramo para receber alguma ajuda”, disse Hill, “um plano é elaborado para que a pessoa se torne o mais rápido possível independente”.
Quebrando o ciclo » Os líderes mórmons têm consistentemente aconselhado os membros a ficarem longe da dívida, trabalhar duro, e se manterem longe dos perigos da vaidade, da ganância, da riqueza e do materialismo desenfreado.
Através dos tempos, a idéia de que Deus recompensa materialmente o justo, deu origem a certos tipos de cristãos. Os mórmons não são uma exceção. Um artigo da revista Harper ainda afirmou que o arcabouço de crenças Mórmons como o evangelho da prosperidade “com esteroides”.
Isso pode ser um exagero, diz Woodworth da BYU, mas contém um elemento de verdade.
Os mórmons podem não chamá-lo de “evangelho da prosperidade”, diz Woodworth, que passa a maior parte de seu tempo trabalhando com os alunos e grupos sem fins lucrativos focados na pobreza do Terceiro Mundo, “mas muitos definitivamente acreditam que quanto mais justo eles são, mais Deus dará dinheiro a eles, porque Ele desejam que sejam bem sucedidos”.
Neeleman, assim como outros Mórmons acreditam na idéia de que se você pagar 10 por cento para a igreja, você verá sua renda aumentar em 20 por cento. Você terá um importante dividendo, diz ele, mas que é espiritual, não material.
“Você terá o espírito do Senhor com você, e isto não tem preço”, diz ele. “Você não pode comprá-lo”.
Sheri Dew, presidente da editora Desert Book, de propriedade da Igreja SUD, faz menção ao “prosperar na terra” constantemente citado nas escrituras mórmons.
“Quando você estuda os versículos próximos, em quase todos os casos é evidente que ele está se referindo a esfera espiritual, o que significa maior conhecimento dos céus e mais respostas às orações”.
Hill é mais enfática contra o pensamento de que a retidão produz riqueza.
“Espero que nosso povo não acredita nisto”, diz ele. “Nós não ensinamos isso. Ensinamos que ao sermos abençoados com riqueza material e talentos significa que também temos a obrigação de compartilhá-los com o próximo”.
Os Mórmons não falam muito sobre o abismo entre ricos e pobres, mas falam sobre mordomia.
“O conceito de mordomia é poderoso na Igreja SUD”, diz Hill. “Acreditamos que temos a responsabilidade de administrar os recursos com os quais somos abençoados. Se você é abençoado com o sucesso financeiro em seu negócio, você tem uma obrigação ou mordomia de usar bem esses recursos para ajudar os outros”.
Muitos Mórmons consideram quaisquer ativos que possuem “como dons do Senhor”, diz Dew. “Queremos usar o que temos da maneira em que aquilo nos direciona em usá-los. Isso não nos diferencia das boas pessoas no mundo, muitas vêem a abundância como um presente dos céus e desejam usá-la para fazer o bem”.
“Somos todos testados nesta vida”, diz ela, “algumas porque receberem muito e alguns por não ser dado o suficiente. O ponto é como lidamos com isso”.
Trabalhando com o capitalismo » os mórmons no mundo dos negócios têm tudo o que precisam para competir, diz Dew, mas a forma como eles o fazem deve refletir seus valores mais profundos.
“Seria impossível sentir-se bem sobre aquilo que você faz cotidianamente”, ela diz, “se você não acreditar que esta sendo justo com os outros”.
Uma pergunta feita a todos os membros que querem frequentar um templo Mórmon é: Você é honesto em seus negócios?
“Para o pessoal Mórmon de Wall Street que eu conheci e conheço”, Smith da BYU diz, “ser capaz de dizer sim é importante”.
No entanto, não há uma única perspectiva Mórmon sobre a economia. A maioria dos membros nos EUA da Igreja SUD, diz Hill, tendem a serem bastantes conservadores em sua visão da econômica – menos impostos, menos governo, mais autoconfiança, mercados livres. Poucos são libertários e alguns a favor de maiores restrições ao mercado ou a se unirem ao movimento Ocupem Wall Street.
Fora dos Estados Unidos, entre os mórmons, há ainda uma maior variedade de pontos de vista tanto políticos quanto econômico, escreve Hill, em um e-mail proveniente da Romênia, onde ele está servindo como um presidente de uma missão SUD. “As doutrinas da Igreja SUD permitem a convivência de pontos de vistas diversos sobre políticas públicas e econômicas”.
Algumas idéias SUD, no entanto, são consistentes através das fronteiras – como a importância da autossuficiência.
Hill recentemente exortou os membros romenos a não dependerem tanto do programa de bem-estar do governo. “Achamos que o principio da autossuficiência tem muito a fazer com o livre-arbítrio e o crescimento da parte espiritual do indivíduo”.
A natureza sedutora do dinheiro e a ganância ainda podem ser vistos na mentalidade Mórmon.
Isso levou a esquemas de marketing de estilo pirâmide, esquemas financeiros duvidosos, gastos excessivos, consumo conspícuo e um desrespeito para com os pobres, diz Woodworth. “Muitos mórmons nos Estados Unidos que pertencem ao mundo dos negócios tentam pagar o mínimo possível aos seus funcionários”.
E embora muitos prometam que vão ajudar os mais pobres depois de terem assegurado o seu primeiro milhão poucas chegar lá, diz Woodworth.
“Parece que existe uma bifurcação espiritual. Quando estão no mundo do salve-se quem puder, eles têm uma mentalidade e uma perspectiva que se resume em se tornar o maior, o mais rico e o melhor”, diz ele. “Mas quando vão à igreja ou servem em seus chamados como presidente de missão ou onde quer que sirvam, é tudo sobre o amor e estender a mão ao próximo porque afinal somos irmãos e iguais”.
Qualquer candidato Mórmon a presidência dos Estados Unidos poderá recorrer a estas duas vertentes teológicas para a economia – ou nenhuma das opções acima.