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CAPÍTULO 14
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14. O benefício da dúvida e ir além da complexidade

Quando enfrentamos questões sérias e desafiadoras, a história de Khumbulani Mdletshe, da África do Sul, serve-nos de exemplo de como é possível crescermos continuamente a partir de uma simplicidade inocente, depois passarmos por uma complexidade, até atingirmos a simplicidade refinada — e de que maneira nossa escolha de confiar no Senhor, por meio de atos de sacrifício, abre portas para nós. Isso tem muita semelhança com concedermos ao Senhor o benefício da dúvida.

Khumbulani nasceu em 1964, “em meio à tenebrosa onda do Apartheid que [então] reinava na África do Sul”.92 Aos 16 anos de idade, ele conheceu dois missionários, os primeiros brancos amigáveis que ele conheceu. Após aceitar a mensagem, ele se filiou à Igreja e, em 1985, foi chamado para servir missão em Londres. Certo dia, um ilustre desconhecido perguntou ao élder Mdletshe porque ele estava representando uma igreja racista que negava o sacerdócio aos negros. Foi a primeira vez que ele havia ouvido essa afirmação. Ele ouviu com incredulidade, mas seu companheiro explicou a ele que, segundo seu entendimento, a Igreja havia negado o sacerdócio aos negros africanos até 1978 pelo fato de eles serem marcados com a maldição de Caim — ligado à ideia de que “os negros eram da linhagem do bíblico Caim, que matou seu irmão Abel. Os que seguiam essa visão acreditavam que a ‘maldição’ de Deus sobre Caim havia sido a marca de uma pele escura”.93

Chocado por essa complexidade, especialmente após os traumáticos anos vividos com a família durante o Apartheid, não haveria como ele, em sã consciência, continuar sua missão. Decidido a comunicar sua partida, ele se encontrou com seu presidente de missão, Ed Pinegar, que lhe confirmou que, o sacerdócio realmente havia sido negado aos homens negros africanos. Ele acrescentou que “ninguém nunca soube explicar a razão”. Mas o importante é que “agora todos os homens dignos podiam ser ordenados”. Khumbulani escreveu posteriormente: “Confiei em meu presidente de missão. Ele sempre havia me tratado como seu próprio filho. Acreditei nele. De alguma forma, o Espírito me disse para aceitar sua explicação e permanecer na minha missão”. Aquele momento foi tão “transformador” que “me sustentou por mais de três décadas”.

Isso não queria dizer que sua confusão desaparecera. Na verdade, a raiva e a mágoa voltavam toda vez que ele ouvia “explicações equivocadas” de membros da Igreja querendo esclarecer a restrição ao sacerdócio. A partir do momento em que sua simplicidade se chocou com essa complexidade, Khumbulani foi claro, honesto e realista; no entanto, ele também foi manso o suficiente para confiar no Senhor e na Igreja. Enquanto não podia imaginar uma razão por não lhe terem contado sobre a proibição, ele chegou a pensar que, talvez, os líderes da Igreja na África do Sul estivessem contemporizando para não falar nada que pudesse dar a ideia errônea de que a Igreja em algum momento tivesse uma simpatia pelo Apartheid. Em última análise, ele se sentia sinceramente grato pelos primeiros missionários não terem mencionado o assunto, porque ele não estaria preparado para ouvi-los e terminaria rejeitando a mensagem.

Perto do final de sua missão, a atitude de Khumbulani foi recompensada por uma conversa inspirada com Wayne Shute, um professor da BYU que estava visitando Londres. Quando o presidente da missão comentou sobre os dons e potenciais do jovem missionário, o irmão Shute ajudou a providenciar para que Khumbulani se matriculasse na BYU–Havaí. O Senhor estava abrindo mais uma porta. Ele obteve o diploma de bacharel na BYU–Havaí e posteriormente um mestrado na BYU–Provo. Nesses dois locais, ele continuou exposto à frustração de ouvir algumas pessoas dizerem nas aulas da Igreja que as escrituras ensinavam que os africanos carregavam uma maldição.

Mais adiante, ele teve de enfrentar outro momento de sacrifício. Ele havia desenvolvido alguns laços pessoais estreitos que o obrigaram a permanecer nos Estados Unidos. Mas ele sentiu, especialmente em sua bênção patriarcal, que sua família, o Senhor e a Igreja precisavam dele na África do Sul. Por isso, ele deixou seus amigos e o conforto de Utah para voltar para casa, mesmo diante de um futuro incerto. Ali, em seu primeiro domingo na igreja na África do Sul, ele conheceu a mulher com quem se casaria posteriormente. Sua confiança o levara a abrir mais uma porta.

Nos primeiros anos após voltar para casa, Khumbulani teve dificuldade para encontrar um emprego que correspondesse às qualificações adquiridas na BYU. Posteriormente, ele encontrou um excelente emprego como avaliador de programas de ONGs em Johanesburgo. Esta etapa o levou a novas oportunidades para ajudar a influenciar a educação africana durante um período significativo de reconstrução social pós-Apartheid. Mas, mesmo com tantas oportunidades e estabilidade em sua vida, com o passar do tempo, aquela resposta “não sabemos o porquê” de seu presidente de missão e de algumas outras autoridades da Igreja não havia sido suficiente para superar suas dúvidas sobre a proibição ao sacerdócio. Isso o deixou preocupado porque as origens dessa norma na história da Igreja nunca ficaram claras. E ele não pôde deixar de se perguntar o quanto os líderes da Igreja no século 19 foram influenciados por atitudes racistas remanescentes da escravidão na cultura americana — embora ele tivesse aprendido o suficiente sobre os Estados Unidos e sobre a história da Igreja para ver que a Igreja não havia apoiado a escravidão, o racismo e a desigualdade como entendido e praticado por muitos outros cristãos americanos.

Enquanto Khumbulani lutava para resolver essas questões, ele foi questionado sobre deixar seu emprego para trabalhar no Sistema Educacional da Igreja, na África do Sul. No início, ele resistiu a essa ideia, até que sua esposa sugeriu que eles buscassem sinceramente a direção do Senhor. Então, em espírito de oração, uma visita ao templo os lembrou de que seus “talentos e habilidades [lhes] foram dados para ajudar na edificação do reino de Deus”. Portanto, “sem hesitação, [aceitaram] a oferta de trabalhar na Igreja”, que com o passar do tempo “provou ser a melhor decisão que já [haviam] tomado”. Mais uma vez, ele deu ao Senhor o benefício da dúvida, não apenas como uma coisa de sua cabeça, mas por escolher sacrificar sua promissora carreira secular e caminhar com confiança por outro futuro incerto. Somente mais tarde ele veio a perceber que uma porta ainda mais promissora havia sido aberta.

Com o passar do tempo, outros membros da Igreja levantaram repetidamente a Khumbulani muitas das dúvidas que ele mesmo ainda tinha sobre a proibição do sacerdócio e a razão pela qual uma revelação seria necessária para removê-la. Suas experiências nos mostraram que nossa escolha em deixar com o Senhor o benefício da dúvida, acompanhada de desejos justos, sempre nos auxiliará a encontrar, a compreender e a ensinar um padrão plausível que dará sustentação a uma instrução divina — cientes de que quase nunca poderemos “provar” conclusivamente que o padrão tem fonte divina. Isso foi exatamente o que seu presidente de missão fez por ele: “No momento em que eu estava precisando, [ele] poderia ter me dado alguma explicação sobre algo que, ao que tudo indica, não tinha respostas claras sobre o assunto”.

Falando sobre a revelação de 1978, por exemplo, Khumbulani disse a seus filhos e aos alunos do instituto da Igreja que “uma revelação se fazia necessária para iluminar os membros da Igreja (…) e ajudar aos líderes da Igreja que precisariam de uma ferramenta doutrinária para ensinar aqueles que viessem a questionar (…) a mudança na norma”. Além disso, “a revelação era necessária à medida que a Igreja amadurecia para que pudesse alcançar pessoas em todo o mundo”. Khumbulani, portanto, “aprendeu a seguir em frente, apesar de [suas] lutas com o histórico das restrições aos negros na Igreja”.

Mais uma vez, sua fé foi recompensada. Como recém-chamado setenta de área na África, ele assistiu a uma reunião com os setentas e os líderes gerais da Igreja, pouco antes de uma conferência geral em Utah. O presidente Thomas S. Monson estava conversando com um grupo de pessoas e, ao sair da sala, fez uma pausa, aproximou-se espontaneamente de três setentas de área africanos que estavam sentados juntos e sussurrou para eles: “Irmãos, gostaria de dizer-lhes que servi junto com o homem que concedeu o sacerdócio a todos os homens”. Algo naquele momento inspirado pelo profeta do Senhor comunicou, além das palavras, um espírito de paz que Khumbulani disse que fez com que ele e seus dois irmãos se tornassem “testemunhas ainda mais fortes do surgimento da Declaração Oficial 2”. “Qualquer preocupação ou dúvida que um de nós ainda pudesse ter com relação a raça ou ao sacerdócio não tinha mais importância. Estava tudo resolvido.”

A história pessoal de Khumbulani Mdletshe reflete o processo e os frutos do exercício de uma fé que não é cega — à medida que ele escolheu confiar no Senhor frente a complexidades reais, mostrando confiança por meio de atos efetivos de sacrifício, e vendo o Senhor abrir-lhe portas reais, as quais Ele nunca chega a abrir, mesmo que seja para nosso benefício, se não Lhe oferecermos nossa confiança. A atitude de Khumbulani é como a de Richard Bushman. Mesmo com as habilidades quase incomparáveis de Richard para pesquisa e análise de questões relacionadas à história da Igreja, ele teve de enfrentar sua cota de quebra-cabeças sem respostas. Quando isso acontece, disse ele: “Eu simplesmente me pergunto: ‘O que isso me ensinará sobre Deus?’”

A história de Khumbulani ilustra a recente descrição do escritor americano Peter Wehner sobre porque a fé pode ser melhor do que a dúvida, e melhor do que exigir provas antes de agir: “A fé é valorizada na tradição cristã [porque] envolve uma confiança que não seria necessária se a existência de Deus estivesse sujeita a uma prova matemática. O que Deus está buscando não é nosso consentimento intelectual, mas um relacionamento conosco. (…) A fé é uma bênção maior do que uma prova, porque nos oferece um relacionamento com Jesus. Todos os bons relacionamentos são unidos pelo amor. E o amor sempre é uma expressão de fé. (…) Somos transformados por aquilo que amamos mais do que pelo que pensamos”.94

A confiança de Khumbulani em seu presidente de missão reforçou seus instintos fiéis o suficiente para dar à Igreja o benefício da dúvida, e ele se sacrificou ao permanecer firme. Quando a resposta “não sabemos o porquê” se tornou menos satisfatória e ele se sentiu tentado a ficar nos Estados Unidos, a proximidade de seu relacionamento com o Senhor passou a ser prioridade, e ele retornou para a África do Sul. Após se questionar sobre seu emprego, seus convênios do templo o levaram a caminhar novamente para onde a luz não podia chegar. Gradualmente, a tensão de suas complexidades diminuiu à medida que ele sentiu a confiança tranquila da simplicidade do “outro lado” sempre mais refinada. Alimentado por seu amor pelo Senhor e pelo amor do Senhor por ele, ele foi transformado, mais por seu amor do que por seu pensamento.

Notas
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