Perguntas e respostas: o Livro de Mórmon é racista?
Uma das dúvidas que surge em relação ao Livro de Mórmon é se ele contém elementos racistas, especialmente devido à menção de uma “pele escura” associada aos lamanitas. Já adiantamos que não, o Livro de Mórmon não é racista e nesse artigo explicamos tudo o que você precisa saber sobre essa menção.
Veja o versículo em 2 Néfi 5:21:
“E ele fez cair a maldição sobre eles, sim, uma dolorosa maldição, por causa de sua iniquidade. Pois eis que haviam endurecido o coração contra ele de tal modo que se tornaram como uma pedra; e como eram brancos, notavelmente formosos e agradáveis, a fim de que não fossem atraentes para meu povo o Senhor Deus fez com que sua pele se tornasse escura.”
Esse versículo, se lido de forma isolada, pode ser interpretado como um texto racista, no entanto, como membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, buscamos entender as escrituras no contexto correto, seja histórico, cultural ou espiritual.
A interpretação moderna de raça pode facilmente levar a conclusões precipitadas, mas, ao colocarmos o Livro de Mórmon em seu contexto antigo, conseguimos entender melhor suas histórias e descrições.
O contexto do Livro de Mórmon e a “marca”
No Livro de Mórmon, os lamanitas são descritos como tendo recebido uma “marca” em sua pele, que muitos leitores podem interpretar como um sinal racial. Entretanto, estudiosos e membros da Igreja ao longo dos anos têm examinado essa descrição e sugerido que ela pode não ter nada a ver com raça como a entendemos hoje.
A ideia de uma “pele escura” pode estar relacionada a uma condição espiritual, cultural ou até mesmo física. Além disso, muitas culturas antigas utilizavam marcas corporais, como pintura de guerra ou tatuagens, para diferenciar tribos e grupos.
Um exemplo de como essa “marca” pode ter sido interpretada de forma incorreta é o que vemos em estudos sobre as tradições indígenas das Américas.
Gerrit M. Steenblik, por exemplo, sugere que os povos maias, uma das civilizações das Américas, usavam pinturas corporais escuras para fins específicos, como a guerra, ataques noturnos ou rituais religiosos. Isso indicaria que a “pele escura” mencionada no Livro de Mórmon poderia, na verdade, referir-se a uma prática cultural ou até mesmo à forma como os lamanitas se apresentavam em certas situações.
Além disso, Jan Martin oferece outra perspectiva ao sugerir que essa “marca” pode ter sido uma tatuagem ou uma forma de simbolismo cultural. Segundo ele, os lamanitas, ao se afastarem dos nefitas e escolherem outro caminho espiritual, podem ter adotado essa marca como um símbolo de sua separação.
Isso não implicaria em uma diferença racial, mas sim em uma escolha consciente de se diferenciar espiritual e culturalmente.
A marca e as doenças no Livro de Mórmon
Uma outra teoria sugere que a “marca” ou a “pele escura” mencionada no Livro de Mórmon poderia estar ligada a doenças físicas ou espirituais.
TJ Uriona, por exemplo, sugere que a maldição imposta aos lamanitas pode ter sido uma referência a condições físicas associadas à doença. Ele relaciona essa ideia às maldições mencionadas em Deuteronômio 28, onde vemos descrições de pragas e doenças que resultam em descoloração da pele, como febres, inflamações e lesões.
Essas condições são mencionadas no Velho Testamento como resultado de iniquidades, o que poderia indicar que a “pele escura” dos lamanitas fosse uma consequência de suas escolhas e comportamentos espirituais, manifestando-se fisicamente.
No livro de Jó 30:30, por exemplo, o próprio Jó descreve sua pele como “enegrecida” devido à sua doença e sofrimento, o que reforça a ideia de que essas descrições bíblicas estão associadas a estados de angústia espiritual ou física, e não a raça.
Além disso, é interessante notar que os maias, mencionados anteriormente, também foram uma das primeiras culturas a descrever doenças que afetam a pele, como Pinta e Leishmaniose.
Essas doenças causam descoloração e lesões que podem durar anos, e é possível que algo semelhante tenha ocorrido com os lamanitas. Essas condições não são apenas dolorosas, mas também visíveis, o que pode explicar as referências a uma pele escurecida no texto.
A influência da lepra no contexto Bíblico
Outro aspecto importante a considerar é como a lepra era vista nas escrituras antigas. No Velho Testamento, a lepra era usada como um termo genérico para várias doenças de pele, e aqueles que sofriam dessa condição eram considerados impuros, sendo muitas vezes separados da comunidade.
No contexto bíblico, isso tinha menos a ver com raça e mais com a ideia de pureza e impureza espiritual.
De maneira semelhante, é possível que a “pele escura” dos lamanitas estivesse associada a uma condição de impureza espiritual, simbolizando sua separação de Deus e dos nefitas.
No Velho Testamento, a lepra era vista como uma maldição, um sinal de que a pessoa estava espiritualmente e fisicamente impura. Isso poderia explicar por que os lamanitas foram descritos dessa forma no Livro de Mórmon.
A referência à uma “pele escura” não seria um comentário sobre raça, mas um símbolo de sua condição espiritual e seu afastamento dos ensinamentos de Deus.
A questão racial no século XIX
Outro ponto que vale a pena mencionar é que Joseph Smith, o profeta da restauração e que traduziu o Livro de Mórmon, viveu em um contexto cultural onde diferentes grupos raciais eram descritos de maneiras específicas.
No século XIX, os nativos americanos eram frequentemente descritos como tendo pele vermelha ou cobreada, enquanto os africanos ou afro-americanos eram descritos como de pele negra.
Se Joseph Smith estivesse criando uma narrativa fictícia para explicar as origens dos nativos americanos, é improvável que ele tivesse usado a descrição de “pele escura” para os lamanitas, já que isso não era comum em seu tempo.
Ao invés disso, a explicação mais lógica é que ele estava traduzindo um relato antigo que utilizava simbolismos e descrições próprias de outra época e cultura. Isso reforça a ideia de que a “marca” ou “pele escura” mencionada no Livro de Mórmon não deve ser interpretada como uma questão racial moderna.
A visão da Igreja hoje
Como membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, acreditamos que Deus ama todos os Seus filhos igualmente, independentemente de sua raça ou aparência física. Em uma declaração da Igreja sobre racismo lemos:
“Nos dias atuais, a Igreja rejeita as teorias do passado de que a pele escura seja um sinal de desagrado divino ou de maldição; (…) Os líderes da Igreja hoje condenam categoricamente todo racismo, passado ou presente, em todas as suas formas. Os ensinamentos da Igreja em relação aos filhos de Deus estão resumidos em um versículo no segundo livro de Néfi: “[O Senhor] não repudia quem quer que o procure, negro e branco, escravo e livre, homem e mulher; (…) todos são iguais perante Deus, tanto judeus como gentios”.”
O Livro de Mórmon ensina repetidamente que as bênçãos da salvação estão disponíveis para todos, e que todos são iguais aos olhos de Deus.
Embora seja fácil para leitores modernos enxergarem questões raciais ao lerem sobre a “pele escura” dos lamanitas, essa leitura parece perder o foco ao não considerar o contexto cultural e espiritual do texto.
A interpretação racial é, em grande parte, uma interpretação moderna, influenciada por nossa própria visão contemporânea sobre raça e etnia. Ao colocarmos o texto em seu contexto adequado, vemos que a “pele escura” mencionada no Livro de Mórmon está muito mais relacionada a questões de espiritualidade, saúde e cultura do que a raça.
Quando estudamos o Livro de Mórmon, entendemos que sua mensagem central é sobre o amor de Deus e o sacrifício de Jesus Cristo. Deus não discrimina com base em raça ou aparência física, e o Livro de Mórmon ensina que todos têm o mesmo potencial de receber as bênçãos do evangelho, independentemente de suas aparências físicas.
Assim, ao invés de focar em interpretações modernas que não se aplicam ao contexto antigo, devemos nos concentrar na mensagem mais ampla do Livro de Mórmon, a de que todos somos filhos de Deus, e que Seu amor e graça estão disponíveis a todos que O buscam.
Fonte: Saints Unscripted
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