Símbolos esquecidos da parábola do bom samaritano
O irmão John W. Welch, que é Professor da Universidade Brigham Young, Faculdade de Direito J. Reuben Clark, redator-chefe da BYU Studies, escreveu a vários anos um artigo sobre os símbolos esquecidos da Parábola do Bom Samaritano, e nós reproduzimos parte dele aqui. Para acessar o artigo completo clique aqui.
Uma das histórias de maior repercussão contadas por Jesus Cristo é a parábola do bom samaritano. Jesus contou essa parábola a um homem que lhe perguntou: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” Jesus respondeu, perguntando: “Que está escrito na lei?”
O homem respondeu, referindo-se a Deuteronômio 6:5 e Levítico 19:18: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração (…) e ao teu próximo como a ti mesmo”.
Quando Jesus prometeu: “Faze isso, e viverás”, o homem respondeu desafiadoramente: “E quem é o meu próximo?” Em resposta às perguntas daquele homem, Jesus contou a parábola do bom samaritano (ver Lucas 10:25–35).
Níveis Mais Profundos de Significado
O Salvador freqüentemente falava por parábolas porque cada uma delas tinha um significado mais profundo, somente compreendido por aqueles que tinham “ouvidos para ouvir” (Mateus 13:9). O conhecimento desse princípio convida-nos à reflexão sobre a mensagem simbólica do bom samaritano. À luz do evangelho de Jesus Cristo, essa história maestral resume o plano de salvação tão brilhantemente que poucos leitores modernos devem tê-lo notado.
O conteúdo dessa parábola é claramente prático e dramático em seu significado óbvio, mas uma tradição cristã consagrada pelo tempo também vê a parábola como uma impressionante alegoria da Queda e Redenção da humanidade. Esse antigo significado cristão da parábola do bom samaritano é mostrado em uma famosa catedral do século XI, em Chartres, França. Um de seus belos vitrais mostra a expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden no alto da janela e, em paralelo, a parábola do bom samaritano na parte de baixo. Isso ilustra “uma interpretação simbólica da parábola de Cristo que era muito popular na Idade Média”. Ao ver aquele vitral, perguntei-me: O que a Queda de Adão e Eva tem a ver com a parábola do bom samaritano?
Logo descobri a resposta. As origens dessa interpretação alegórica remontam ao início do cristianismo. No segundo século d. C., tanto Irineu, na França, quanto Clemente, da Alexandria, viam no bom samaritano um símbolo do próprio Cristo salvando a vítima caída, ferida pelo pecado. Poucos anos depois, Orígenes, discípulo de Clemente, declarou que essa interpretação lhe foi transmitida pelos primeiros cristãos, que descreviam a alegoria da seguinte maneira:
“O homem que estava descendo pelo caminho é Adão. Jerusalém é o paraíso, e Jericó é o mundo. Os salteadores são os poderes hostis. O sacerdote é a Lei, o levita são os profetas, e o samaritano é Cristo. As feridas são a desobediência, o animal é o corpo do Senhor, a [estalagem], que aceita todos os que desejam entrar, é a Igreja. (…) O hospedeiro da estalagem é o cabeça da Igreja, que foi confiada aos cuidados dele. E o fato de que o samaritano prometeu voltar representa a segunda vinda do Salvador.”
Essa leitura alegórica foi ensinada não apenas pelos antigos seguidores de Jesus, mas era praticamente universal em todo o cristianismo primitivo, sendo defendida por Irineu, Clemente e Orígenes, e no século IV e V, por Crisóstomo, em Constantinopla, Ambrósio, em Milão, e Agostinho, no norte da África. Essa interpretação é encontrada em sua forma mais completa em dois outros vitrais medievais, nas catedrais francesas de Bourges e Sens.
Um Símbolo e Representação do Plano de Salvação
Os leitores podem beneficiar-se muito ponderando as escrituras, particularmente quando esses escritos testificam a respeito de Jesus Cristo (ver João 5:39). A parábola do bom samaritano testifica a respeito de Cristo. Ensina o plano de salvação, o amor expiatório do Salvador e nossa jornada para herdar a vida eterna. Pode ser lida não apenas como uma história de um homem que descia de Jerusalém para Jericó, mas também como a história de todos que descem da presença de Deus para viver na Terra. Esse significado se torna mais aparente à luz do evangelho de Jesus Cristo restaurado por Seus profetas modernos.
Analisemos as partes da história.
Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores
Um homem. Os antigos cristãos comparavam esse homem a Adão. Essa relação pode ter sido mais evidente nas línguas antigas do que nas traduções modernas. Em hebraico, a palavra adam significa “homem, humanidade”, “plural de homens”, bem como “Adão”, como nome próprio. Portanto, Clemente de Alexandria poderia muito bem ter visto a vítima dessa alegoria como uma representação de “todos nós”. De fato, todos nascemos como Adão e Eva, sujeitos aos riscos e vicissitudes da mortalidade: “Porque (…) todos morrem em Adão” (I Coríntios 15:22).
Descia. O antigo escritor cristão Crisóstomo viu nessa frase a descida de Adão do jardim para este mundo — da glória para o mundano, da imortalidade para a mortalidade. A história contada em Lucas 10 dá a entender que o homem desceu intencionalmente, conhecendo os riscos a que estaria sujeito na jornada. Ninguém o forçou a descer para Jericó. Ele aparentemente achou que a jornada valia a pena, a despeito dos riscos bastante conhecidos dessas viagens pelas estradas malconservadas da época de Jesus.
De Jerusalém. Jesus descreveu uma pessoa que descia não de um lugar comum, mas de Jerusalém. Devido à santidade da cidade-templo sagrada, os cristãos primitivos prontamente viram nesse elemento o conceito de que a pessoa tinha descido da presença de Deus.
Para Jericó. Jericó foi prontamente identificada como sendo este mundo. A mais de 250 metros abaixo do nível do mar, Jericó é a cidade mais baixa do mundo. Seu clima moderado no inverno fez dela um prazeroso local de lazer, onde Herodes construiu um suntuoso palácio de férias. Mas devemos observar que o viajante da parábola ainda não tinha chegado a Jericó quando foi atacado pelos salteadores. Aquele homem estava descendo pela íngreme estrada que ia dar em Jericó, mas ainda não tinha chegado ao fim da ladeira.
Caiu. É fácil ver aqui uma alusão ao estado mortal decaído e à triste situação do indivíduo em decorrência do pecado: “Todos estão decaídos e perdidos” (Alma 34:9).
Nas mãos de salteadores. Os antigos escritores cristãos viam os salteadores (ou ladrões) como o diabo e suas forças satânicas, maus espíritos ou falsos mestres. A palavra grega para “salteadores” usada por Lucas dá a entender que aqueles ladrões não agiam fortuitamente. O viajante foi assaltado por um bando de ladrões de beira de estrada maldosos que formavam uma sociedade organizada e maligna e agiam de modo deliberado e bem planejado.
os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.
Despojado de suas vestimentas. Os cristãos primitivos achavam que Jesus falava de algo importante aqui. Orígenes e Agostinho viam a perda das roupas do viajante como um símbolo da perda da imortalidade e da incorruptibilidade sofrida pela humanidade. Crisóstomo falou da perda de “seu manto de imortalidade” ou “manto de obediência”. Ambrósio disse que o viajante foi “despojado da proteção da graça espiritual que [todos] recebemos [de Deus]”.
Os assaltantes aparentemente queriam a roupa do viajante, porque não há menção de nenhuma outra riqueza ou bem que ele pudesse estar levando consigo. Por algum motivo, os assaltantes pareciam interessados na roupa dele, algo trazido de um lugar sagrado, algo que eles invejavam e que desejavam tirar dele.
Feridas. Esse termo era visto como uma representação das dores da vida, das aflições da alma, da agonia decorrente de vários pecados e vícios. De fato, os inimigos da alma deixam feridas (ver Jacó 2:8–9). A transgressão tem consequências reais (ver Alma 41:10).
Meio morto. Os salteadores partiram, deixando o indivíduo precisamente “meio morto”. Podemos ver nesse detalhe uma alusão à primeira e à segunda morte. A pessoa tinha caído, tornando-se sujeita ao pecado, e sofrera a primeira morte, tornando-se mortal. Mas a segunda morte, a separação permanente de Deus, ainda podia ser evitada (ver Alma 12:32–36).
E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo.
Ocasionalmente. A chegada do sacerdote judeu foi “ocasional”, e não o resultado de uma busca consciente. Sua presença ali não estava nos planos de ninguém.
Certo sacerdote (…) e de igual modo também um levita. Todos os antigos comentaristas cristãos viam o sacerdote como uma representação da lei de Moisés. Na mente deles o problema não era que os portadores do Velho Testamento não quisessem ajudar o homem caído, mas, sim, que a lei de Moisés não tinha o poder de salvá-lo. De fato, a lei de Moisés era apenas um símbolo e representação da Expiação que viria, e não tinha sua plena eficácia (ver Mosias 3:15–17).
O levita era visto como uma representação dos profetas do Velho Testamento, cujas palavras o Senhor viera cumprir (ver Mateus 5:17; 3 Néfi 15:2–5). Uma classe inferior de sacerdotes, os levitas, faziam as tarefas braçais do templo. Aquele levita, ao menos, aproximou-se para ajudar. Ele “chegou” e viu. Pode ser que ele quisesse ajudar, mas talvez se considerasse indigno de ajudar; ele tampouco tinha o poder de salvar uma pessoa agonizante.
Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão; e, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho;
Um samaritano. Os antigos escritores cristãos sem exceção viam o bom samaritano como uma representação de Cristo. Crisóstomo sugeriu que um samaritano é uma boa representação de Cristo porque “da mesma forma que o samaritano não é da Judéia, Cristo não é deste mundo”.
Os que ouviam Jesus em Jerusalém podem muito bem ter compreendido com isso que o Salvador se referia a Ele mesmo. Alguns judeus de Jerusalém rejeitaram Jesus com o insulto: “Não dizemos nós bem que és samaritano?” (João 8:48). Como Nazaré fica do outro lado do vale, ao norte de Samaria, esses dois lugares poderiam facilmente ter sido considerados como sendo um só. E assim como os samaritanos eram vistos como os mais desprezíveis de toda a humanidade, da mesma forma foi profetizado que o Messias seria “desprezado, e o mais rejeitado entre os homens” e “não fizemos dele caso algum” (ver Isaías 53:3).
Que ia de viagem. Aparentemente aquele samaritano (que representava Cristo) estava deliberadamente procurando pessoas que necessitassem de ajuda. O texto não diz que ele chegou ali por acaso. Orígenes observou que “ele foi com a intenção de resgatar o homem ferido e cuidar dele”. O Salvador veio voluntariamente “para trazer redenção ao mundo” (3 Néfi 9:21).
Compaixão. Essa palavra importante fala do puro amor de Cristo. O texto grego diz que as entranhas do samaritano foram movidas de profunda e íntima compaixão. Essa palavra é usada no Novo Testamento somente quando os autores desejam descrever as emoções divinas de misericórdia de Deus. Ela aparece com destaque nas parábolas do servo incompassivo, na qual o Senhor (representando Deus) foi “movido de íntima compaixão” (Mateus 18:27), e do filho pródigo, na qual o pai (novamente representando Deus) viu o filho retornando e “se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou” (Lucas 15:20). Da mesma forma, o samaritano representa o Cristo divinamente compassivo, que sofreu “para que se lhe encham de misericórdia as entranhas, segundo a carne, para que saiba, segundo a carne, como socorrer seu povo, de acordo com suas enfermidades” (Alma 7:12).
Atou-lhe as feridas. Alguns cristãos primitivos disseram que as ataduras representavam amor, fé e esperança, que são “laços de salvação que não podem ser desfeitos”. Outros viram as faixas como os ensinamentos de Cristo, que nos prendem à retidão. Os santos dos últimos dias poderiam acrescentar que a pessoa resgatada está ligada ao Senhor por meio de convênios (ver D&C 35:24; 43:9).
Óleo. Uma loção de óleo de oliva pode ser muito aliviadora. Embora a maioria dos antigos escritores cristãos tenham visto nisso um símbolo das palavras de consolo de Cristo, Crisóstomo viu isso como uma “santa unção” — que pode referir-se a várias ordenanças do sacerdócio, à cura de enfermos (ver Tiago 5:14), ao dom do Espírito Santo (freqüentemente simbolizado pelo óleo de oliva) ou à unção de um rei ou rainha.
Vinho. O samaritano também verteu vinho nas feridas para limpá-las. Alguns autores cristãos posteriores viram esse vinho como a palavra de Deus — algo que dói mas purifica — mas a interpretação dos antigos cristãos associava o vinho ao sangue de Cristo, simbolizado pelo sacramento (ver Mateus 26:27–29; 3 Néfi 18:8–11). Esse vinho, o sangue expiatório, limpa o pecado e purifica a alma, permitindo que o Espírito de Deus esteja conosco. Além de proporcionar ajuda física, um verdadeiro bom samaritano ministra também os princípios e ordenanças de salvação do evangelho. O vinho expiatório pode doer a princípio, mas seus efeitos logo proporcionam uma paz curadora.
e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele;
Ele o pôs sobre seu próprio cavalo. Cristo, cumprindo a profecia, toma sobre Si nossas enfermidades (ver Isaías 53:4; Alma 7:11). Supostamente, o animal do samaritano simbolizava o corpo de Cristo. Acredita-se que o fato de o homem ter sido colocado sobre o animal do samaritano seja uma representação de que Deus Se tornou carne, tomou sobre Si os nossos pecados e sofreu por nós.
Estalagem. Para os antigos cristãos, esse elemento prontamente simbolizava a Igreja. Uma “estalagem” era uma “casa pública aberta a todos”. Um abrigo público é comparável à Igreja de Cristo em muitos aspectos. Uma estalagem à beira do caminho não é o destino celeste, mas um auxílio necessário para ajudar o viajante a alcançar seu lar eterno.
Cuidou dele. O samaritano ficou ao lado do homem ferido e cuidou dele pessoalmente na primeira noite. Ele não entregou rapidamente a pessoa ferida aos cuidados do hospedeiro, mas ficou com ele nas horas de escuridão. Conforme comentou Orígenes, Jesus cuidou do ferido “não apenas durante o dia, mas também à noite. Ele dedicou toda a sua atenção e atividade a ele”.
E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar.
No outro dia. Os antigos comentaristas viram nisso o conceito de que Jesus levantaria de entre os mortos na manhã da Ressurreição. Cristo ministrou pessoalmente a Seus discípulos por um breve período de tempo. Depois de Sua Ascensão, Ele deixou o viajante aos cuidados da Igreja.
O hospedeiro. Conseqüentemente, os antigos comentaristas viram o hospedeiro, ou estalajadeiro, como sendo Paulo ou os outros Apóstolos e seus sucessores. Se a estalagem se refere à Igreja em geral, o hospedeiro e seus empregados, porém, podem representar todos os líderes da Igreja e pessoas que trabalham nela, a quem foram confiados pelo Senhor os cuidados e a atenção dados a toda alma resgatada que buscar a cura.
Quando eu voltar. A pessoa que representava Cristo prometeu claramente que voltaria, uma evidente alusão à Segunda Vinda de Cristo. O termo grego que é traduzido como “voltar” só aparece uma vez no Novo Testamento em Lucas 19:15, referindo-se à parábola do Senhor que voltaria para julgar o que as pessoas tinham feito com o dinheiro que Ele lhes dera. Essa correlação claramente fortalece essa alusão à Segunda Vinda.
Pagarei ou recompensarei. Por fim, é prometido ao hospedeiro que todas as suas despesas serão pagas: “E tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar”. Talvez mais do que qualquer outro elemento da história, essa promessa — que na verdade era como se o hospedeiro recebesse um cheque em branco — tem confundido muito os comentaristas modernos que vêem essa história simplesmente como um evento da vida real. Quem, em sã consciência, assumiria um compromisso tão generoso com um estalajadeiro desconhecido? Mas se entendermos a história alegoricamente, essa promessa faz sentido, porque o samaritano (Cristo) e seu estalajadeiro já se conheciam e confiavam um no outro antes de a promessa ser feita.