Uma história que fala sobre nata e leite pode parecer simples, mas essa esconde uma das lições mais marcantes da vida de Thomas B. Marsh. Um desacordo doméstico acabou ganhando proporções inesperadas e se tornou símbolo de como pequenas escolhas podem revelar grandes verdades espirituais, e até mudar o rumo de uma vida inteira.

Nascido em Massachusetts, em 1799, Thomas B. Marsh saiu de casa aos quatorze anos de idade e sustentou-se desempenhando diversos tipos de trabalho, como lavrador, garçom, cuidador de cavalos e vendedor.

Thomas estudava a Bíblia e investigava diferentes religiões, mas permanecia insatisfeito com as denominações existentes. Ele sentia que “uma nova igreja surgiria, que teria a verdade em sua pureza”.

Assim que ouviu falar sobre o evangelho restaurado, viajou para encontrar-se com Martin Harris, que lhe entregou dezesseis páginas recém-impressas do Livro de Mórmon.

Ao apresentar as escrituras à sua esposa, Elizabeth Godkin Marsh, ela também sentiu que aquela tradução era uma obra de Deus.

Em 1830, a família Marsh mudou-se para Palmyra, Nova York, onde foram batizados, iniciando uma nova jornada de fé. Esse período, entretanto, não foi fácil: assim como muitos outros santos, Thomas e sua família também enfrentaram oposição e perseguições.

Nos anos seguintes, Thomas B. Marsh serviu em vários chamados na Igreja. Em abril de 1835, foi escolhido para integrar o recém-organizado Quórum dos Doze Apóstolos.

Aos 36 anos, por senioridade e revelação, foi designado o primeiro presidente do Quórum dos Doze Apóstolos na história da Igreja. Seus esforços para unir o quórum e fortalecer a fé dos membros foram fundamentais em tempos de dúvida e provação.

Problemas Surgem

Por volta de 1837, divergências começaram a aparecer entre os membros do Quórum dos Doze. As relações se desgastaram, e a desarmonia aumentou.

Essas dificuldades foram agravadas pela distância e falta de comunicação, já que alguns apóstolos estavam servindo em diferentes regiões.

Buscando restaurar a união do quórum, Thomas viajou para Kirtland, Ohio, onde descobriu que alguns apóstolos haviam partido em missões, enquanto outros haviam apostatado.

Durante uma visita ao profeta Joseph Smith, em busca de orientação, o Senhor revelou a Doutrina e Convênios 112, oferecendo a Thomas tanto razões para regozijar-se quanto uma admoestação severa.

Apesar das provações, Thomas continuou a esforçar-se para fortalecer a Igreja e apoiar o profeta.

A história da nata 

Poucos meses depois, Thomas, como outros santos dos últimos dias, foi influenciado por um espírito de apostasia. Ele se perturbou profundamente com a crescente violência entre os membros da Igreja e seus vizinhos no Missouri.

Entretanto, o episódio que se tornou símbolo de sua queda espiritual foi o infame incidente da “nata”, ocorrido por volta de agosto ou setembro de 1838.

Nata de leite
Imagem: wikiHow

O conflito envolveu sua esposa, Elizabeth Marsh, e Lucinda Harris, esposa de George W. Harris. De acordo com o apóstolo George A. Smith, as duas mulheres haviam combinado trocar leite de vaca para fazer queijo. Contudo, Elizabeth supostamente retinha a nata (a parte mais rica e cremosa do leite) antes de enviar o restante a Lucinda.

Quando a situação veio à tona, a suspeita foi levada primeiro ao quórum de mestres, depois ao bispo e, por fim, ao sumo conselho da Igreja, onde todos atribuíram culpa a Elizabeth.

Inconformado, Thomas B. Marsh apelou à Primeira Presidência, que confirmou as decisões anteriores. A partir desse momento, ressentido e profundamente ofendido, Marsh declarou que “defenderia o caráter da esposa, mesmo que tivesse de ir para o inferno por isso.”

O afastamento e a traição

Durante o outono de 1838, Thomas Marsh deixou Far West com sua família e começou a opor-se ativamente à Igreja. Em outubro de 1838, ele prestou um depoimento sob juramento às autoridades do Missouri, no qual afirmava que os santos estavam planejando ou cometendo atos de violência contra seus vizinhos nos condados de Caldwell e Daviess.

No documento, Marsh alegou ainda que os santos que se recusassem a lutar seriam “baleados ou condenados à morte”, e que nenhum dissidente mórmon devia deixar o condado de Caldwell vivo.”

O apóstolo Orson Hyde assinou o testemunho ao lado de Marsh, em apoio às suas declarações.

Embora o depoimento de Marsh fosse apenas uma entre várias acusações apresentadas às autoridades, o relato foi usado como base para justificar a “Ordem de Extermínio” emitida pelo governador Lilburn W. Boggs, que resultou na expulsão de cerca de 15.000 santos de suas casas e em inúmeras mortes devido à perseguição e ao frio.

O profeta Joseph Smith, ao tomar conhecimento da denúncia, descreveu o documento de Marsh como contendo:

“todas as mais vis calúnias, difamações, mentiras e injúrias contra mim e a Igreja que seu coração iníquo poderia inventar.”

Arrependimento e retorno

O ressentimento manteve Marsh afastado por quase vinte anos.Na década de 1850, após perder a esposa e enfrentar problemas de saúde, ele começou a refletir sobre suas escolhas e buscou reconciliação com a Igreja.

Thomas B. Marsh
Imagem: Internet

Em carta a Heber C. Kimball, expressou profundo remorso:

“O Senhor poderia passar muito bem sem mim, e não perdeu nada por meu afastamento de suas fileiras; mas ó, quanto perdi?!”

Mais tarde, Marsh relatou ter se reconciliado com George W. Harris. Quando chegou a Salt Lake City, em setembro de 1857, Brigham Young convidou-o a falar aos santos. 

Com a voz enfraquecida e o coração contrito, Marsh confessou:

“Com frequência tenho o desejo de saber como minha apostasia começou, e já cheguei à conclusão de que devo ter perdido o Espírito do Senhor no meu coração (…) Tive ciúmes do Profeta, e depois minha visão turvou-se (…) negligenciei tudo o que era correto (…) e quando o diabo começou a conduzir-me, foi fácil para a mente carnal emergir.”

Após seu testemunho, Brigham Young pediu que os santos votassem para receber Thomas B. Marsh de volta à comunhão plena da Igreja e nenhuma mão foi levantada em oposição.

O que podemos aprender com essa história?

A história de Thomas B. Marsh e o incidente da nata é uma lição que começa pelo orgulho e termina na humildade.

O afastamento de Marsh começou com um conflito aparentemente pequeno, algo que poderia ter sido resolvido com diálogo, perdão e caridade. No entanto, ele permitiu que o ressentimento tivesse lugar em seu coração e crescesse até se transformar em desconfiança, amargura e, por fim, apostasia.

Assim como ele próprio mais tarde reconheceu, o verdadeiro problema não estava nas circunstâncias externas, mas na perda gradual do Espírito. Quando o Espírito se retirou, o ciúme substituiu a fé, a mágoa tomou o lugar da paz, e a razão cedeu lugar à ira.

Ninguém está imune às armadilhas do orgulho. Até mesmo um apóstolo de Deus caiu em apostasia quando perdeu a sintonia com o Espírito do Senhor. 

Mas também aprendemos que a misericórdia do Senhor é infinita e que o caminho de volta sempre existe para aqueles que se arrependem com sinceridade.

Thomas B. Marsh encontrou paz novamente ao reconhecer seus erros, buscar o perdão e humildemente retornar à comunhão com o Senhor e seus irmãos. 

Sua história nos convida a examinar o que guardamos no coração! Ponderar pequenas queixas, ofensas ou mágoas que, se não forem curadas, podem afastar-nos do Senhor.

Que possamos nos preocupar com o que realmente importa e sermos suficientemente humildes para reconhecer nossos erros e perseverar com brandura e mansidão. Assim como o Senhor aconselhou a Thomas, em Doutrina e Convênios 112:10

“Sê humilde; e o Senhor teu Deus te conduzirá pela mão, e te dará resposta às tuas orações.”

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