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Tempo, Espaço e o Infinito Mensurável

deuses abraão 3

O debate a cerca da existência de um Deus infinito tem por muitos séculos estado no centro das reflexões filosóficas e moldado consequentemente o próprio desenvolvimento da humanidade em todos os aspectos. O aparente conflito entre ciência e religião gera para muitos a falsa impressão de que não se pode ser um fiel discípulo de Cristo aceitando o conhecimento científico ou ainda, a errônea concepção de que acreditar na aplicação da ciência requer a descrença em um criador.

Embora tal conflito seja real quando se há um conhecimento limitado ou incorreto de preceitos religiosos ou verdades científicas, a verdade é que, sendo ambas as fontes (ciência e religião) criações de Deus, pode-se esperar total harmonia quando cada uma é analisada sob a luz e contexto do propósito o qual foram criadas, sendo a ciência a fonte primária de revelação e conhecimento do universo físico e religião do universo espiritual.

É verdade que tais questões não são cruciais para membros da Igreja cujas experiências e vida espiritual prestam testemunho da existência de um Deus. Ainda assim, uma análise à estrutura do Plano de Salvação e suas relações com o universo físico tem o poder de fortalecer o mais fortalecido dos testemunhos e dar-nos um melhor entendimento da natureza e caráter do Deus que adoramos. Afinal, o que os pilares do universo podem nos ensinar sobre Deus?

O vício na falsa lógica científica e falsa lógica religiosa

No meio científico, a teoria do Big Bang constitui a explicação mais plausível para a existência do universo em que vivemos, o qual de acordo com Carl Sagan–um dos maiores cientistas dos tempos modernos–“é tudo o que existe, que já existiu ou que jamais existirá.”[1]

No meio religioso, a teoria do Big Bang tem por muito tempo sido vista como uma ameaça ao relato do Gênesis, que afirma que Deus criou os “céus e a terra,” embora não seja claro nas escrituras se tal relato, denominado como “princípio,” se refere à criação do universo em que vivemos, nossa galáxia ou sistema solar.

O problema comum na abordagem científica de alguns está na tendência em eliminar a existência ou necessidade de um Deus através de conclusões que não seguem as regras de argumentação lógica. Biólogos agnósticos ou ateus, por exemplo, frequentemente menosprezam a existência de um Criador por acreditarem que o processo evolutivo contradiz a ideia de uma criação com um agente inteligente e ativo. Na física, por outro lado, vemos frequentemente cientistas questionarem o relato da criação simplesmente por ela não descrever um processo similar ao que é amplamente aceito e evidenciado como o Big Bang.infinito universo

No lado religioso, o problema geralmente consiste em um apego exagerado à interpretações e premissas que em muitos casos não são validadas pela ciência e que possuem diversos obstáculos e evidências que as colocam sob xeque. Por muito tempo, por exemplo, acreditava-se em uma terra plana ou no conceito de que o mundo foi criado fisicamente há cerca de seis mil anos. O apego à tais premissas errôneas constitui um claro erro de percepção religiosa, onde alguns grupos são mais engajados em defender uma premissa ou crença inicial do que em realmente determinar se o conceito é verdadeiro ou não. Nesses casos, o apego à uma crença tradicional sobrepuja o desejo de encontrar a verdade dos fatos.

Em outras palavras, se por um lado cientistas e estudiosos tendenciosos erram em chegar a conclusões não apoiadas pelas premissas (como a conclusão de que se o Big Bang é real, então Deus é falso), religiosos frequentemente erram em menosprezar a verdade revelada pela ciência, quando esta expõe fatos que questionam velhas interpretações religiosas.

Quando cientistas e religiosos–não ciência e Evangelho–estão viciados em tais práticas de auto-validação, o resultado é sempre o mesmo–contradições e promoção da falsa ideia de que ciência e religião estão em guerra, quando de fato são irmãs de sangue.

Como então encontrar e caminhar sobre a linha que harmoniza o conhecimento científico com o ensino religioso? Embora esse seja um debate contínuo cujas cartas tem sido jogadas por milênios, não há dúvidas que o primeiro passo é buscar e apegar-se à verdade, de onde quer que ela venha e pra onde quer que ela vá. [2] Tal abordagem requer um coração sincero e uma mente aberta para aceitar o fardo de que em alguns casos simplesmente estávamos errados.

O Argumento Cosmológico Kalam

Um dos argumentos teológicos mais comuns utilizados na defesa da existência de um criador é o denominado Argumento Cossmológico Kalam.[3] O argumento analisa a existência do universo, e é formado por duas premissas que se  validadas, nos conduzirá para uma conclusão forçosamente lógica. Analisemos a estrutura do argumento:

Premissa 1: Tudo que começa a existir tem uma causa.
Premissa 2: O Universo começou a existir.
Conclusão: Portanto, o Universo teve uma causa.

Embora a primeira vista a sequência lógica pareça um tanto óbvia, o ponto central consiste na ideia de que se o universo teve um início, ele forçosamente precisa ter uma causa. Caso o universo possua uma causa, a hipótese ou explicação plausível é que uma mente inteligente (ou Deus) é essa causa. Evidências empíricas e o estudo científico tem continuamente validado ambas as premissas, o que consequentemente fortalece a conclusão, embora esteja aberto ao debate de um ponto de vista agnóstico, que causa seria essa.

Em outras palavras, podemos validar tanto por experiência e pelo método científico a veracidade da primeira premissa ao constatar que nada, absolutamente nada no universo observável possui um início sem haver um agente (inteligente ou não) como a causa de tal existência. Dessa forma, a ideia de que o universo simplesmente surgiu em uma explosão sem uma causa não possui realmente respaldo lógico.

A segunda premissa, por sua vez, tem sido validada por conceitos fundamentais da física como a segunda lei da termodinâmica[4] e o fato de o universo estar em expansão. A segunda lei da termodinâmica em poucas palavras afirma que o universo gradualmente está em um processo contínuo perdendo energia utilizável, processo esse normalmente chamado de entropia. O ponto em questão de ambos princípios consiste na ideia de que se o universo está continuamente perdendo energia e se tornando mais “desorganizado,” ele não mais teria energia caso houvesse existido infinitamente no passado. O fato de o universo estar expandindo igualmente sugere que em determinado momento do passado ele esteve todo no mesmo lugar, o que novamente sugere a ideia de um início.

Dessa forma, a menos que desconstruamos tais premissas que no momento são tão validadas pela ciência, não se pode desvalidar a conclusão de que o universo possui uma causa, e que um criador não sujeito à tempo, espaço e matéria convencional talvez seja uma explicação razoável, ou talvez a melhor explicação para esse fato.

A Improbabilidade do Conceito Infinito

Na teologia Mórmon, estamos habituados com a ideia de infinidade. Lemos nas escrituras que a expiação deveria ser infinita [5] e  que Deus criou um número infinito de mundos, [6] mas normalmente, utilizamos tais palavras com uma concepção incorreta em mente tanto lógica, como doutrinariamente falando.

O conceito de infinidade raramente é utilizado no Evangelho como constituindo uma ideia quantitativa, mas quase sempre qualitativa. O Élder Shayne M. Bowen sobre a expiação infinita afirmou:

“Sua Expiação é infinita. Ela se aplica a todos, inclusive a você. Ela pode purificar, recuperar e santificar a todos, inclusive você. É isso que significa infinita: total, completa, integral, para sempre.”[7]

Sobre a infinidade de mundos, o Senhor disse a Moisés:

“Pois eis que há muitos mundos que pela palavra de meu poder passaram. E há muitos que agora permanecem e são inumeráveis para o homem; mas todas as coisas são enumeráveis para mim, pois são minhas e eu conheço-as… e não há fim para as minhas obras.”[8]Universo - Criação

Ainda sobre os conceitos de infinidade e eternidade, o Senhor adicionou:

“Pois eis que o mistério da divindade, quão grande é! Pois eis que eu sou infinito e o castigo que é dado pela minha mão é castigo infinito, pois Infinito é meu nome. Portanto — Castigo eterno é castigo de Deus. Castigo infinito é castigo de Deus.”[9]

Embora a aplicação de cada uma das passagens acima demonstre algumas diferenças de contexto, todas se assemelham em um princípio fundamental: infinidade e eternidade nem sempre significam o conceito quantitativo que temos em mente. Uma expiação infinita poderia nesse caso ser interpretada como um ato e evento cuja intensidade sobrepuja nossa capacidade de compreendê-la. “Mundos infinitos” necessariamente não pode significar infinitos mundos, pois sendo a criação um processo que possui início, meio e fim (ou um período específico de tempo), levaria uma quantidade de tempo infinita para que “infinitos mundos” sejam criados, conclusão essa que não se sustenta por 1 segundo.

A direção correta parece estar nas entrelinhas das próprias palavras do Senhor ao afirmar que mundos infinitos são “inumeráveis para o homem… mas numeráveis para mim.” Outro exemplo está na definição dada por Ele de que “castigo eterno” não necessariamente constitui castigo por tempo infinito, mas um castigo que provém de um ser eterno.

Em outras palavras, o conceito quantitiativo de infinidade não realmente existe no universo observável (e provavelmente também não existe no universo não observável). Absolutamente nada do que presenciamos no universo físico pode ser classificado como infinito a menos que utilizemos uma perspectiva potencial. Pense por exemplo na existência do tempo. Sendo o próprio fundamento do tempo constituído pela constante e contínua adição de números a um número já existente, não se pode afirmar que uma quantidade infinita de tempo realmente existe, porque infinito nesse contexto não é realmente um número, mas uma ideia indefinida ou abstrata. Não importa quanto tempo seja adicionado à fórmula, seu total jamais será infinito (ou 1 % da infinidade) simplesmente porque tal número não realmente existe, e sempre haverá um outro número a ser adicionado na receita.

Conclusão

Eu tenho profundo amor pela ciência. Tenho profundo apreço pelo efeito benéfico que o conhecimento científico tráz à nossa concepção de um criador. Ao nos engajarmos não apenas na busca e manutenção de nosso conhecimento “de que Igreja é verdadeira,” é essencial que continuamente reciclemos nosso conhecimento e o adaptemos ao conhecimento revelado por Deus por outros meios não menos importante.

Se o Evangelho de Cristo é verdadeiro, não há conhecimento ou descoberta a ser feita que no final o invalidará. Ao nos depararmos com informações que a princípio geram conflitos com nossas ideias pré-concebidas, devemos evitar a tendência de imediatamente rejeitar a nova informação e infantilmente classificá-la como “apostasia” ou “mentiras.” A história do Evangelho no passado e tempos modernos é testemunha de que quando homens interpretam informações de qualquer natureza, erros são a regra, não a exceção. Tal princípio se aplica tanto ao meio científico como religioso. A ciência avança em meio, ou talvez especialmente, por causa dos erros. Nosso conhecimento do Evangelho funciona da mesma maneira. No final das contas, é a verdade dos fatos–não nosso desejo de estar certo–o que realmente devemos procurar.

Artigo originalmente publicado no Intérprete Nefita.

[1] Carl Sagan; Cosmos, 1980
[2] Neil DeGrasse Tyson; Documentário “Cosmos”
[3] Reichenbach, Bruce, “Cosmological Argument”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2013 Edition), Edward N. Zalta (ed.)
[4] Cain, Fraser. Will the Universe Run Out of Energy? Universe Today. Dec 2015.
[5] 2 Néfi 9:7
[6] Conference Report, outubro de 1996, p. 46; ver também A Liahona, janeiro de 1997, p. 37
[7] Bowen, Shayne M. A Expiação Pode Purificar, Recuperar e Santificar Nossa Vida. Nov 2006. lds.org
[8] Moisés 1:35,38
[9] D&C 19:10-12

| Para refletir
Publicado por: Luiz Botelho
Luiz Botelho serviu na Missão Santa Maria e atualmente mora em Provo-Ut. Estuda Antropologia na Utah Valley University e descobriu na Ciência, História, Filosofia e Teologia sua verdadeira paixão. Atualmente trabalha voluntariamente como Diretor Internacional da FairMormon, é autor do Interpretenefita.com e um dos Diretores da More Good Foundation no Brasil.
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