Durante anos, ouvi as Autoridades Gerais incentivarem todos os santos a escreverem sua história pessoal detalhando alguma experiência espiritual. Sempre achei isso uma boa ideia, para os outros. Aos poucos, gota a gota, os conselhos de sabedoria foram caindo sobre mim, mas escorriam como água nas penas de um pato.
Certa vez, ao visitar a ala de um amigo em algum lugar da Califórnia, o professor da aula de Doutrina do Evangelho perguntou às pessoas se já tinham escrito alguma “experiência espiritual”. Na hora voltei no tempo alguns anos, a um domingo em que meus irmãos e suas esposas estavam jantando com nossos pais na casa deles, em Auburn, CA. Aparentemente, minha cunhada tinha tido uma lição parecida na Escola Dominical naquele dia e tinha muito a dizer sobre experiências espirituais.
Precisamos saber enxergar as grandes bênçãos
Nosso pai, Loren, se cansava rápido de conversas que giravam demais em torno de um único assunto e disse:
“Não sei se já tive uma experiência espiritual.”
Eu sabia que ele estava fazendo o papel de advogado do diabo — algo que ele sempre fazia com uma indiferença estoica. Ele certamente deu combustível à conversa, mas eu não ia deixar ele sair dessa facilmente.
“Pai, você só pode estar brincando. Você não se lembra quando seu avião foi abatido em Saipan, e o pouso forçado na água com o B-24 deu errado quando o compartimento de bombas explodiu, rasgando o avião ao meio, jogando você e os outros da frente pela janela de acrílico, ainda com suas roupas de inverno pesadas, preso ao assento revestido de aço? O assento foi arrancado da aeronave e você começou a afundar rapidamente em direção ao fundo?”
“Sim”, ele respondeu, já sabendo que eu tinha pego ele.
“E quando você afundava nas profundezas escuras da água, estava um breu, você disse: ‘Pai, preciso da sua ajuda, e preciso AGORA!’ E a próxima coisa que você lembra é de estar voltando à superfície, sem suas roupas de inverno, o assento de aço tinha sumido, e você estava só com seu uniforme leve de verão, e sua cabeça bateu no bote salva-vidas de borracha. Você não conseguia ver nem a própria mão, mas de alguma forma, naquele imenso Oceano Pacífico, sua cabeça bateu exatamente no bote, que você nem poderia ter visto!”
“Sim, isso é verdade”, ele teve que admitir.
“Isso aí me parece que se qualifica como uma experiência espiritual!” Todos concordaram comigo… menos meu pai.
“Na verdade, não. Fui ensinado a orar e eu orei, Ele respondeu, e eu sobrevivi.” Típico raciocínio de piloto/engenheiro. “Um mais um é igual a dois.”
Milagres que parecem experiências comuns
Com esse histórico, dá pra entender por que a lição da Escola Dominical sobre experiências espirituais e o grande número de pessoas sinceras compartilhando suas histórias não me motivaram a compartilhar nada. No entanto, o instrutor lançou um desafio simples:
“Hoje, ao chegar em casa, tire cinco minutos num lugar tranquilo e escreva, em poucas palavras, uma experiência espiritual que você já teve.”
Por alguma razão, isso me tocou.
Quando consegui um momento de paz no meio da maravilhosa agitação de várias famílias reunidas, tentei pensar em alguma experiência espiritual que eu já tivesse vivido.
Estava prestes a desistir depois de rebobinar o “filme” da minha vida, ano após ano, tentando encontrar a primeira dessas experiências. Nada.

A primeira lembrança que voltou
Pensei mais um pouco, e uma imagem breve veio à mente: estávamos no carro, eu e dois dos meus irmãos no banco do meio. Lá na frente, papai dirigia e mamãe segurava no colo meu irmão caçula, Kim, de 3 anos.
Uma infecção ou algo assim tinha inchado sua orelha e deixado todo aquele lado do rosto deformado. Ele estava com muita dor. Papai ligou para o hospital, e o médico parecia preocupado. Disse que o Kim estava com alguma coisa — eu não estava prestando muita atenção.
A caminho do hospital em Champaign, Illinois a 50 quilômetros de distância, paramos na casa do bispo, onde ele ungiu a cabeça do meu irmão. Papai então deu a ele uma bênção do sacerdócio. Não lembro nada da bênção, mas minha mãe estava chorando, o que era normal.
Kim estava dormindo quando chegamos ao hospital. Não ficamos muito tempo e logo voltamos para nossa fazenda em Mansfield. Todos os meninos dormiam no caminho de volta.
Quando chegamos, Kim acordou e quis ir andando com a mamãe até a porta da frente. O inchaço tinha sumido. Sua orelha estava normal — até a vermelhidão tinha desaparecido. Mamãe chorava de novo, mas dessa vez com um enorme sorriso no rosto. Fiquei muito tocado ao lembrar disso e percebi que tinha visto um milagre. Foi bom escrever isso e reviver aquele mesmo sentimento que tive décadas atrás.
De fato, o problema sumiu e Kim, sem tomar remédio, adormeceu. Na manhã seguinte, estava super ativo, já aprontando como sempre.
Ao terminar de lembrar dessa história com mais detalhes do que jamais tinha feito antes, percebi um calor distinto dentro de mim, uma clareza mental e um forte sentimento de proximidade com meu Pai Celestial. Naquele momento, entendi que era o Espírito me abençoando com essa recordação completa.
Memórias que o Espírito traz de volta
De repente, lembrei de outra experiência e escrevi. Depois outra, e mais outra, e outra… várias experiências espirituais vieram à mente.
Quando sentimos dor intensa, a grande bênção é que, ao cessar a dor, paramos de senti-la imediatamente. Ainda lembramos que doeu, mas não sentimos mais. Ao lembrar daquela primeira experiência espiritual, senti o mesmo espírito, o mesmo calor e o mesmo consolo que senti quando vi que o Kim estava curado.
À medida que eu me lembrava das próximas experiências e as escrevia, o Espírito iluminava minha mente e me ajudava a lembrar não só os detalhes, mas também o mesmo calor espiritual que senti na época.
Tinha outras obrigações, então deixei a caneta de lado e segui com a vida. Quando voltei pra casa, fui direto ao computador e digitei as histórias. Mal precisei olhar minhas anotações. As memórias voltaram rapidamente. E, novamente, enquanto digitava, aquele calor do Espírito testificava que sim, eu tinha sido abençoado com a presença do Consolador.
Continuei escrevendo uma experiência atrás da outra. Acrescentei contexto histórico e detalhes pessoais para que, quando meus filhos lessem essas histórias um dia, elas fossem mais significativas.
Todas as noites eu escrevia mais. Adorava sentar ao computador e reviver aquelas experiências, redescobrindo bênçãos que há muito tempo eu tinha deixado de lado como apenas partes da vida.
O poder de escrever sua própria jornada espiritual
Quando finalmente senti que estava em dia, percebi que tinha escrito 240 páginas. Dei o título aos meus registros de “Minha Jornada Espiritual”.
Deixo um convite a você: sente-se e pense em um possível testemunho espiritual que já tenha recebido, e escreva. Acredito que você vai perceber que o hino “Conta as Bênçãos” é verdadeiro:
Se da vida as vagas procelosas são,
Se com desalento julgas tudo vão,
Contas as muitas bênçãos, dize-as de uma vez
E verás, surpreso, quanto Deus já fez.
Fonte: Meridian Magazine
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