E se o que realmente estamos sentindo falta durante o isolamento é a presença espiritual?
A lição mais importante que aprendi com a COVID-19 é a realidade tangível da presença espiritual e a profunda solidão da ausência espiritual.
Como todo mundo, sinto falta de estar na mesma sala com outras pessoas. Claro, já sou bem crescidinha, mas ainda sinto falta de abraçar o meu pai e de me aconchegar no colo da minha mãe. Tenho saudades de ir na casa de meus amigos, ou chamar o pessoal para ver um filme aqui em casa. Sinto falta da presença física de todas as pessoas na minha vida.
Mas sinto mais falta da presença espiritual deles.
Hoje em dia, provavelmente passo mais tempo me comunicando com as pessoas do que antes da pandemia. Falo ao telefone, e-mail, WhatsApp e videoconferência quase constantemente. Não só aumentou a amplitude das minhas interações sociais, como também aumentou a sua profundidade. Parece que todos sabemos que nos conectarmos de maneira mais pessoal é mais importante agora do que nunca.
E a tecnologia é boa. Nos faz parecer socialmente conectados uns com os outros. Superficialmente, parece que o distanciamento físico exigido pela COVID-19 realmente melhorou meus relacionamentos com os outros.
Mas, parece que ainda sinto uma certa solidão todos os dias.
Quando tive esse sentimento de tristeza pela primeira vez, resolvi falar com pessoas com quem não falava há algum tempo. Usei as redes sociais para falar com mais pessoas. Fiz tudo o que pude para fazer mais coisas sociais. Mas a tristeza persistiu.
Quando percebi, passei muito tempo tentando descobrir por que eu estava sentindo tanto vazio, apesar de parecer que estava tão conectada com todo mundo.
Qual a diferença de receber visitas e ter reuniões na mesma sala fisicamente em vez de eletronicamente?
Perguntava-me se havia diferenças na nossa comunicação, mas depois percebi que essa sensação de estar desconectada dos outros não era devido ao que eu podia ver ou ouvir. Estava relacionado com o que pude sentir. Não conseguia sentir a presença espiritual das pessoas pela tela.
Quando esse pensamento me ocorreu, pareceu-me profundamente verdadeiro, como uma verdade tão óbvia, que eu não podia acreditar que não tinha percebido antes.
De repente, fazia sentido que as escrituras descrevessem a importância de reunir-se “frequentemente para jejuar e orar e para falar a respeito do bem-estar de suas almas” (Morôni 6:5) e do “privilégio de reunir-se” (Alma 6:6).
As coisas espirituais só podem ser discernidas espiritualmente (1 Cor. 2:14). O Presidente Boyd K. Packer disse: “Se tudo que vocês sabem é o que vêem com seus olhos naturais e escutam com seus ouvidos naturais, então vocês não conhecem muitas coisas.” Por extensão, pode se dizer que se nos conectarmos apenas aos outros por meio dos nossos olhos e ouvidos—e não com os nossos espíritos – talvez as nossas ligações não sejam tão fortes como pensamos que sejam.
O Guia de Estudo das Escrituras descreve o dom do discernimento como a capacidade de “entender ou conhecer alguma coisa pelo poder do Espírito […] Inclui percepção do verdadeiro caráter das pessoas e da origem e significado das manifestações espirituais.”
O Élder Bednar escreveu: “O dom do discernimento nos revela um panorama que se estende para bem além do que vemos com nossos olhos naturais ou ouvimos com nossos ouvidos naturais. O discernimento é ver com os olhos espirituais e sentir com o coração.”
Nossos espíritos são reais em um sentido material, assim como as ondas de luz são reais e átomos, moléculas, e outras verdades aparentemente invisíveis são reais. O Profeta Joseph Smith explicou isso em Doutrina e Convênios 131: 7-8 quando ele revelou: “Não existe algo como matéria imaterial. Todo espírito é matéria, mas é mais refinado ou puro e só pode ser discernido por olhos mais puros; Não podemos vê-lo; mas quando nosso corpo for purificado, veremos que ele é todo matéria.”
Assim como posso sentir a luz do sol sem compreender como as ondas de luz possuem características de ondas e partículas, sei da verdade da presença espiritual humana sem compreendê-la plenamente.
Um domingo, há vários anos, estava em pé, de costas para o púlpito, de frente para os bancos onde o coral estava sentado. Eu era presidente das Moças da ala na época, e tínhamos preparado um programa para a reunião de sacramental naquele dia.
Nosso pequeno grupo de jovens irmãs estavam meio amontoadas, dando umas às outras palavras finais de encorajamento. Estávamos distraídas com nossa preparação, quando eu senti—não vi nem ouvi, mas senti—alguém entrar na sala. Me virei e olhei na direção daquela sensação e vi que o Presidente Henry B. Eyring tinha acabado de entrar na sala. Por que eu senti que ele entrava no salão sacramental e as outras pessoas não perceberam? Eu não sei.
Em outros momentos, também senti presença espiritual. Durante minha pós-graduação, uma querida amiga lutava contra o câncer. Considero um dos grandes privilégios de minha vida ter sido convidada para ir a sua casa durante seus últimos dias. Sentei-me com ela, passei hidratante em suas mãos, e falei com ela enquanto ela estava deitada na cama.
Senti sua presença espiritual e sua ausência espiritual enquanto ela ficava entre a consciência e a inconsciência. Senti de alguma forma — e eu não entendo como – que ela estava passando de um lado para o outro do véu. Como se estivesse começando o seu trabalho do outro lado, ao mesmo tempo que estava terminando o seu trabalho aqui.
Na verdade, o testemunho da presença espiritual e da ausência espiritual é testemunho da realidade dos espíritos humanos e do Espírito Santo. Não tinha percebido que podia sentir a presença espiritual dos outros com tanta força até sentir a solidão que vem da sua ausência.
E essa presença e ausência de proximidade espiritual pode ser considerada como algo parecido com a maior presença e ausência espiritual—a nossa ligação com o nosso Pai Celestial e Jesus Cristo por meio do dom do Espírito Santo.
A Luz de Cristo irradia e “procede da presença de Deus para encher a imensidade do espaço — A luz que está em todas as coisas, que dá vida a todas as coisas, que é a lei pela qual todas as coisas são governadas, sim, o poder de Deus, que se assenta em seu trono, que está no seio da eternidade, que está no meio de todas as coisas.” (Doutrina e Convênios 88:12-13). Cada um de nós tem esta Luz de Cristo, e ela nos conecta à própria presença do Salvador e de nosso Pai Celestial — e uns aos outros.
O Espírito Santo amplia a nossa capacidade de sentir essa conexão espiritual. Reforçar a minha capacidade de discernir a presença espiritual ajuda-me a fazer a ponte entre a minha vida na terra e a minha casa celestial e tem um efeito em meu dia a dia e bem-estar. Por meio do dom do Espírito Santo, cada um de nós pode sentir a presença espiritual do Pai Celestial e de Jesus Cristo, apesar da nossa distância física Deles.
Se não fosse pelo Espírito Santo, estaríamos perpetuamente num estado de tristeza solitária por causa da nossa distância física da nossa casa celestial. Os nossos espíritos anseiam estar com a nossa família celestial e se reunirem com os nossos Pais Celestiais. Em seu hino poético “Ó meu Pai”, Eliza R. Snow expressa esse desejo maravilhosamente:
“Ó meu Pai, tu que habitas
Na real celeste mansão,
Quando verei a tua face
Em tua santa habitação?”
A minha nova compreensão da presença espiritual me trouxe maior confiança para quando voltaremos a estar fisicamente perto do Salvador. Sentirei a Sua presença com tanta certeza, tanta familiaridade, que não precisarei de ver o Seu rosto ou ouvir Sua voz, porque sentirei o vínculo da Expiação no Seu próprio ser.
Então, enquanto esperamos a oportunidade de abraçar e estar junto de nossos amigos e família—e enquanto esperamos a oportunidade de fazê-lo com nosso Salvador e o Pai Celestial novamente – como podemos recuperar nosso senso de proximidade espiritual?
Como nos conectamos espiritualmente com os amigos, a família e os céus? O Élder Dieter F. Uchtdorf sugeriu o remédio: “Por meio da oração, podemos estar espiritualmente e socialmente próximos do Pai Celestial, Seu Filho Jesus Cristo e de nossas famílias e amigos, onde quer que estejamos e quaisquer que sejam as circunstâncias.”
Durante este tempo de separação, comecei a me concentrar não só na conexão social e física com os outros, mas também na conexão espiritual. Descobri que, ao buscar este dom, sou mais capaz de sentir a Luz de Cristo que está dentro e ao redor de todos nós, nos unindo. Ainda me sinto sozinha às vezes, e ainda me sinto mais conectada quando posso estar fisicamente perto das pessoas.
Mas só de saber que existe uma outra maneira mais profunda e mais poderosa de estar conectada—mais poderosa do que qualquer conexão de celular ou de mídia social—me ajudou a aprofundar o poder espiritual de meus relacionamentos com os outros, incluindo meu Salvador e o Pai Celestial.
Fonte: LDS Living
Uma nova perspectiva sobre a “solidão” e o amor de Cristo durante a quarentena