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Religião deve fazer parte do debate publico – inclusive sobre assuntos que atinjam pessoas não-religiosas?

Jovem rapaz ponderando - o significado da vida

Esse é um tema muito importante para nossa época, mas difícil de tratar em um único artigo, mas vou tentar!

Vivemos em um mundo diverso. Em nosso país, o Brasil, há uma grande diversidade de culturas, etnias, formações, ideias e posicionamentos sobre uma imensidão de questões sociais e políticas, que atingem as pessoas de centenas de religiões e das que não acreditam em nenhuma religião. 

O Estado Laico é um grande avanço social, pois separa definitivamente religião e Estado (governo). Ao mesmo tempo algumas pessoas confundem o laicismo com Estado-anti-religioso ou Estado Ateu. Na verdade, o laicismo permite o livre exercício da liberdade religiosa, e o pluralismo de ideias, sem intervenção do Estado. O laicismo, portanto, é que permite a diversidade no debate.

E no meio de tanta diversidade no debate publico, a tolerância e o respeito são valores vitais, para convivência harmônica das pessoas. 

O Elder Dallin H. Oaks refletiu a este respeito:

“Essa exposição maior à diversidade tanto nos enriquece a vida quanto a complica. Somos enriquecidos pelo convívio com diversas pessoas, o que nos faz lembrar a maravilhosa diversidade dos filhos de Deus. Mas a diversidade de culturas e valores também nos desafia a identificar o que pode ser adotado como condizente com nossa cultura e valores do evangelho, e o que não pode. Desse modo, a diversidade aumenta o potencial de haver conflitos e exige que estejamos mais cientes da natureza da tolerância.” [1]

Precisamos compreender o que é liberdade religiosa – para então refletir sobre nossa participação política e publica.

 

O que é tolerância?

A intolerância gera desentendimento; a tolerância sobrepuja os desentendimentos. A tolerância é a chave que abre a porta para a compreensão e o amor mútuos, inclusive no debate publico. Em nossa sociedade precisamos de tolerância. Todavia, o que ela significa?

O Presidente Boyd K. Packer ensinou:

“A palavra tolerância não existe sozinha. Exige um objeto e uma reação para qualificá-la como virtude. (…) A tolerância é frequentemente cobrada, mas raramente retribuída. Cuidado com a palavra tolerância. É uma virtude muito instável.” [2]

Da fato, a tolerância absoluta é prejudicial. Por isso o Presidente Russell M. Nelson ensinou:

Senti o desejo de falar a respeito de tolerância—uma virtude muito necessária em nosso mundo turbulento. Ao tratarmos desse assunto, entretanto, temos que reconhecer, logo de início, que existe uma diferença entre tolerância e tolerar. Vossa tolerância benévola em relação a um indivíduo não lhe dá permissão de errar, nem vossa tolerância vos obriga a tolerar suas ações errôneas. Tal distinção é de suma importância para a compreensão dessa virtude fundamental. (…)

Pode-se ter a ideia errada de que se um pouco de alguma coisa é bom, essa mesma coisa em grandes quantidades deve ser ainda melhor. De jeito nenhum! Doses excessivas de um remédio podem ser tóxicas. A misericórdia desmedida pode opor-se à justiça. Do mesmo modo, a tolerância sem limites pode levar a uma indulgência hesitante. [3]

Na mesma esteira, o Élder Oaks disse:

A tolerância em relação a uma conduta é como os dois lados de uma moeda. A tolerância ou o respeito é um lado da moeda, mas a verdade sempre está do outro lado. Não podemos possuir ou usar a moeda da tolerância sem estar cônscios dos dois lados dela. [4]

Não podemos ser tolerantes indiscriminadamente. Os compromissos que assumimos com o Senhor não nos permitem ser religiosos apenas da Igreja – mas também quando estivermos na escola, trabalho e debate publico. Devemos ser íntegros, ou, em outras palavras, verdadeiros.

O Debate Publico deve abranger as questões importantes para os religiosos?

Sim, sem dúvida, pois os religiosos estão inseridos na sociedade. O conflito surge, porém, quando os não-religiosos ou os que são religiosos mas tem uma visão diferente, divergem. Exemplos são fáceis: ensino religioso nas escolas, casamento com pessoas do mesmo sexo, tributação de igrejas, etc.

Enquanto os religiosos prezam por mandamentos divinos, os não religiosos os ignoram.

O Elder Jeffrey R. Holland, dos Doze Apóstolos procurou responder como devemos agir:

A respeito dessa obrigação de ter compaixão e lealdade aos mandamentos, às vezes há uma chance para um mal-entendido especialmente entre os jovens, que podem achar que não devemos julgar nada, que nunca devemos fazer nenhum tipo de avaliação de valor. T(…) A alternativa seria ceder ao relativismo moral de um mundo desconstrucionista e pós-moderno que, levado ao extremo, propõe que, no final, nada é eternamente verdadeiro ou particularmente sagrado, de modo que nenhuma postura quanto a uma questão importa mais do que qualquer outra. E isso simplesmente não é verdade.

Quando nos deparamos com as complexas questões sociais de uma sociedade democrática, isso pode ser problemático e, para alguns, muito confuso. Os jovens podem questionar sobre esta ou aquela postura assumida pela Igreja, dizendo: “Ora, não acreditamos que devemos viver ou comportar-nos desse modo, mas por que devemos fazer com que os outros façam o mesmo? Acaso não têm eles o seu livre arbítrio? Não estamos sendo farisaicos e intolerantes ao impor nossas crenças a outros, exigindo que eles ajam de uma determinada maneira?” Nessas situações vocês têm que ter a sensibilidade de explicar por que motivo alguns princípios são defendidos e alguns pecados são combatidos, onde quer que sejam encontrados, porque as questões e as leis envolvidas não são apenas sociais ou políticas, mas, sim, eternas em suas consequências. E embora não desejemos ofender aqueles que têm crenças diferentes das nossas, estamos ainda mais ansiosos em não ofender a Deus, ou como dizem as escrituras “não [ofender] aquele que é [nosso] legislador” — refiro-me neste caso a sérias leis morais.

Mas para ilustrar esse ponto, deixem-me usar o exemplo de uma lei menor. Seria como se um jovem adolescente dissesse: “Agora que posso dirigir, sei que devo parar no sinal vermelho, mas será que devo mesmo ser intolerante e tentar fazer com que todos os outros parem no sinal vermelho? Será que todo mundo tem de fazer o que fazemos? As pessoas não têm seu arbítrio? Eles têm que se comportar como nós?” Vocês terão então que explicar que sim, esperamos que eles todos parem no sinal vermelho. Mas devemos fazer isso sem menosprezar os que cometem transgressão ou que têm crenças diferentes das nossas porque, sim, eles têm seu arbítrio moral.

Meus jovens amigos, há uma grande variedade de crenças neste mundo e há arbítrio moral para todos, mas ninguém está autorizado a agir como se Deus fosse mudo sobre esses assuntos ou como se os mandamentos somente importassem se houver unanimidade pública em relação a eles. Se no século XXI não podemos fugir mais. Temos de lutar por leis, circunstâncias e ambientes que permitam o livre exercício da religião e ter respaldo legal para isso. Essa é uma maneira de podermos tolerar estar em Babilônia sem sermos dela.” [5]

Religião e Governo

Religião e Governo Secular estão intimamente ligados. No debate publico eles revelam-se claramente. O historiador e estadista francês Alexis de Tocqueville escreveu: “O despotismo pode governar sem a fé, mas a liberdade não consegue fazê-lo”.[6] E até o despotismo não consegue governar indefinidamente sem a fé. Pois, como Boris Yeltsin, ex-presidente da Federação Russa, observou: “É possível construir um trono com baionetas, mas é difícil sentar-se nele”[7]

Élder Wilford W. Andersen, dos Setenta, escreveu um excelente artigo sobre a relação do governo com a religião, dizendo que a “religião e o governo são como um casal cujos cônjuges às vezes têm dificuldade em viver juntos, mas descobrem que simplesmente não podem viver separados. Tanto a religião quanto o governo precisam de independência para florescer, mas a história mostrou que um divórcio completo não é saudável para nenhum dos dois. Eles seguem por trilhas diferentes, porém paralelas. São mais bem-sucedidos e eficazes quando se protegem e se apoiam mutuamente.” Ele também ensinou:

“O bom governo não precisa ser parcial. Não deve promover nem favorecer uma religião em detrimento de outra. Seus representantes precisam ser livres para acreditar e praticar de acordo os ditames de sua própria consciência. De modo semelhante, a boa religião não deve nem endossar, nem combater qualquer partido ou candidato político. E seus seguidores devem ser livres e até incentivados a participar do processo político e apoiar o partido ou candidato que considerarem melhor, seja qual for.” [8]

A importância da religião no debate publico é confirmada por seu valor histórico e seu poder de persuasão para o bem coletivo. O Élder Dallin H. Oaks, disse:

“Muitos dos mais importantes avanços morais da sociedade ocidental foram motivados por princípios religiosos e sua adoção oficial foi persuadida pela pregação nos púlpitos. Alguns exemplos incluem a abolição do comércio de escravos na Inglaterra e a proclamação da emancipação nos Estados Unidos. O mesmo se aplica para o movimento dos direitos civis da última metade do século” [9]

Se os religiosos não se envolverem…

A organização religiosa deve ser neutra politicamente, mas seus membros devem participar ativamente das questões cívicas. Caso não se envolvam podem ter seus direitos prejudicados.

Aqueles que acreditam, e que fazem parte das diversas religiões, precisam conhecer o debate publico e opinar. Evidentemente devem ser respeitosos e não impor sua visão sobre outros. Devem, contudo, defender seus valores e visão moral, e ter sua liberdade de manifestação e reunião assegurados.

O Élder D. Tood Christofferson afirmou que as sociedades tem fracassado – e parte disso é motivada pelo enfraquecimento dos religiosos de defenderem valores morais. Veja:

A sociedade em que muitos de nós vivemos tem falhado há várias gerações em promover a disciplina moral. A sociedade ensina que a verdade é relativa e que cada um decide por si mesmo o que é certo. Conceitos como pecado e erro têm sido condenados como “julgamentos de valor”. Conforme o Senhor descreve: “Todo homem anda em seu próprio caminho e segundo a imagem de seu próprio deus” (D&C 1:16).

Como resultado, a autodisciplina é destruída e a sociedade é obrigada a tentar manter a ordem e a civilidade por meio da repressão. A falta de controle interno nos indivíduos gera o controle externo pelo governo. Certo colunista observou que “o comportamento cavalheiresco [por exemplo, antigamente] protegia as mulheres de atitudes imorais. Hoje, espera-se que as leis contra o assédio sexual refreiem o comportamento imoral. (…)

Nem a polícia nem a justiça podem substituir costumes, tradições e valores morais como meios de regulamentação do comportamento humano. Na melhor das hipóteses, a polícia e a justiça são o último e desesperado recurso de defesa da sociedade civilizada. Nossa dependência das leis para o controle do comportamento demonstra como nos tornamos incivilizados (…)

Em suma, somente uma bússola moral interna em cada indivíduo pode efetivamente orientar-nos nas causas e nos sintomas originais da decadência social. A sociedade vai lutar em vão para estabelecer o bem comum, se não denunciar o pecado como pecado e se a disciplina moral não ocupar seu lugar no panteão das virtudes cívicas” [10]

O Papel da Liberdade Religiosa

Para possibilitar o debate publico – e não só isso – mas a livre convivência harmônica – a liberdade religiosa é vital! O  Élder Ronald A. Rasband, do Quórum dos Doze Apóstolos, disse:

Sinto que, para alguns de vocês, a expressão “liberdade religiosa” se pareça mais com “liberdade para discriminar”. Quero falar-lhes sobre esse ponto de vista e ajudá-los a entender o que a Igreja quer dizer quando fala de liberdade religiosa e por que isso é tão fundamentalmente importante para o futuro de vocês e para A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Também pretendo abordar algumas desconfianças e equívocos que alguns de vocês talvez tenham no tocante à liberdade religiosa. (…)

Nossa sociedade se tornou tão cega em sua cruzada por reparação pela discriminação injusta sofrida por determinada classe de pessoas que agora corre o risco de criar outra classe vitimizada: as pessoas de fé, como vocês e eu. (…)

Proteger a consciência tem a ver com salvaguardar o modo de pensar e sentir de uma pessoa e também o seu direito de exercer essas crenças. (…)

Precisamos de seu otimismo e sua determinação para lidar com essas complexas questões sociais.

Temos fé que vocês se voltarão ao Salvador para saber como levar uma vida cristã ao mesmo tempo em que demonstram equidade e amor para com as pessoas que não compartilham de nossas crenças. Sabemos que desejam fazer parte de algo significativo e sabemos que são resilientes e dispostos a colaborar.

E o mais importante, precisamos que se engajem em diálogos referentes às complexidades dessa questão e encontrem soluções sobre como estender melhor a equidade a todos, inclusive às pessoas religiosas. Essas conversas precisam ocorrer em nossas escolas, no lar e em nosso relacionamento com amigos e colegas de trabalho.

Quando conversarem sobre esses assuntos, lembrem-se destes princípios: ver as pessoas por um prisma de equidade, tratá-las com respeito e bondade, e esperar em troca o mesmo tratamento.” [11]

Conclusão

As complexas questões políticas e sociais de nossa época precisam ser encaradas por nós, pessoas religiosamente ativas. Nossa voz precisa ser ouvida no debate publico. Ao mesmo tempo, precisamos ouvir os que não creem ou os que acreditam de forma diferente. Os valores morais se provam adequados no passado, e podemos defendê-los publicamente. Em nosso empenho devemos zelar pela liberdade religiosa e o direito de consciência e manifestação com tolerância e amor. Devemos nos lembrar que a tolerância não é absoluta, e que há parâmetros de segurança para sociedade que devemos manter.

Por fim, não podemos fugir das questões e desafios de nosso tempo. O Salvador nos incentivou a estar no mundo, sem ser dele. Precisamos participar, nos envolver. Estudar as palavras dos profetas e ficar atualizado dos assuntos do mundo são importantes passos para contribuirmos significativamente como o mundo que nos cerca.

 

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NOTAS

[1] “Verdade e Tolerância“, Serão do SEI para Jovens Adultos • 11 de setembro de 2011 • Universidade Brigham Young

[2] “Be Not Afraid” (discurso proferido no Instituto de Religião de Ogden, 16 de novembro de 2008), p. 5; ver também Bruce D. Porter, “Defending the Family in a Troubled World”, Ensign, 12 de junho de 2011, pp. 12–18.

[3] “Ensinai-nos a Tolerância e o Amor“, Conferência Geral Abril de 1994

[4] Idem a Nota 1

[5] “Israel, Jesus te chama“, Transmissão Mundial para Jovens Adultos, lds.org

[6] Alexis de Tocqueville, Democracy in America, 2 vols., 1835–1840, vol. 1, p. 306.

[7] Boris Yeltsin, em Donald Murray, A Democracy of Despots, 1995, p. 8.

[8] “Religião e Governo“, A Liahona Julho de 2015

[9] Dallin H. Oaks, “Strengthening the Free Exercise of Religion”, discurso proferido no The Becket Fund for Religious Liberty Canterbury Medal Dinner, na cidade de Nova York, em 16 de maio de 2013, p. 1; disponível em mormonnewsroom.org.

[10] “Disciplina Moral“, Conferência Geral, Outubro de 2009.

[11] “Fé, equidade e Liberdade Religiosa“, A Liahona  Setembro de 2016.

| Para refletir
Publicado por: Lucas Guerreiro
Escritor, Advogado, Membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/SP, Membro da J. Reuben Clark Law Society São Paulo. Fez Missão em Curitiba - Brasil. Gosta de desenhar, estudar filosofia, fotografar, viajar e assistir series de super-heróis.
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