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O que a inclusão de Pessoas Com Deficiência na Igreja tem a ver com você?

Você pode imaginar que por sermos membros de A Igreja de Jesus Cristo Dos Santos Dos Últimos Dias e por seguirmos o exemplo do Salvador, amar e incluir todas as pessoas, em especial, as pessoas com deficiência, deve ser algo natural. Mas, não é bem assim.

Existe uma frase que diz: “Inclusão sem capacitação é exclusão”. Por isso, em setembro, para apoiar o Dia Nacional da Luta pelos Direitos das Pessoas com Deficiência (21), trazemos alguns tópicos que podem te ajudar na prática, a ser alguém que, além de ter uma postura inclusiva e anticapacitista, possa ter também uma visão social da deficiência.

Família dos Santos e Família Souza. Crédito: Amanda Ganzarolli

Entender o conceito da deficiência

Tudo começa com essa palavra que muitas pessoas têm medo de usar. E essa palavra é a “deficiência”.

Estima-se que exista uma em cada sete pessoas no mundo com alguma deficiência, sendo a deficiência definida como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica (OMS, 2011). No Brasil, o Censo Demográfico (IBGE) de 2010, aponta que 24% da população possui alguma deficiência, o equivalente a aproximadamente 46 milhões de pessoas.

Com estes números, é difícil dizer que pessoas com deficiência são minorias. A realidade é que toda pessoa, em algum momento da vida, pode desenvolver algum tipo de deficiência. Isso inclui, você e eu.

A definição da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2008, traz uma compreensão mais ampla sobre o conceito ao dizer que, pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

Uma questão de perspectiva

Deixar de ver a deficiência como algo negativo permite que de fato ocorra a inclusão. Quando se compreende que não existe nada de errado em ser uma pessoa com deficiência, ocorre-se uma mudança de perspectiva.

Lembro-me de uma cena do filme da Temple Grandin (2010) quando ela está em uma sala da faculdade e o professor pede para que ela leia a página de um livro. Temple, que está dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e tem uma leitura feita em imagens, consegue rapidamente decorar a página inteira e ler em voz alta na frente do professor e de todos da classe, sem olhar para o livro.

Questionada por seu professor sobre como ela teria feito aquilo, ela simplesmente responde: “Eu apenas olhei. Então, eu tenho a página na minha mente e eu posso ler sem ter que olhar para a página. Eu vejo as imagens e posso conectá-las.”

O professor e seus colegas sem entender nada, olham estranhamente para ela. E ela, é claro, olha estranhamente para eles. Afinal, para Temple Grandin, era completamente natural conseguir olhar para uma página e em poucos minutos decorar o conteúdo. Tudo uma questão de perspectiva, não é mesmo?

Ter como perspectiva que pessoas sem deficiência não são o modelo da sociedade é a base para uma cultura não discriminatória. Quando explicamos para nossos filhos que “aquela criança é diferente de você”, partimos do pressuposto que nós, ou nossos filhos são as crianças padrões e as crianças com deficiências, não são.

Ao construir a frase “você e seu amigo são diferentes”, passamos a mensagem que todos somos diferentes, sem ter um indivíduo específico como base. O uso do pronome demonstrativo “aquele”, no contexto dessa frase, contribui para identificar o “outro” como um ser humano que não tem muito em comum com os demais, trazendo distanciamento, ao invés de aproximação.

Outro fator importante é a utilização do substantivo “pessoa” na terminologia Pessoa com Deficiência (PcD), pois as pessoas podem ser muitas coisas e terem muitas características e habilidades. Uma pessoa sempre vem antes de sua deficiência. É importante compreender que a escolha dessa expressão é amparada na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007) e na Lei Federal nº 13.146/2015, conhecida como “Estatuto da Pessoa com Deficiência”.

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Cadu, futuro missionário! Crédito: Amanda Ganzarolli

Modelos da deficiência

Mas você sabia que existem três modelos da deficiência? Não é preciso compreender profundamente cada um, apenas a sua essência. Veja só:

Modelo médico da deficiência

O modelo médico da deficiência foca nas limitações do indivíduo e ignora o ambiente e as estruturas sociais. Neste modelo, observa-se a deficiência como uma característica biológica, inerente a distúrbios e anormalidades físicas, o que não considera deficiências de ordem cognitivas e psicossociais como o Autismo e Transtornos Psicológicos.

Modelo social da deficiência

O modelo social da deficiência entra no campo social e não apenas na área médica, deixa de ser um assunto só da saúde e passa a ser uma discussão de direitos humanos. São as atitudes das pessoas e o meio onde se vive que devem mudar, e não a pessoa com deficiência. Essa mudança segue um percurso de décadas para substituir o modelo médico.

Modelo biopsicossocial

O modelo biopsicossocial traz um pouco dos dois modelos acima e diz que a deficiência também está relacionada ao contexto em que se vive. Tem uma abordagem mais multidisciplinar que tenta compreender as causas biológicas, psicológicas e sociais de um indivíduo.

Cadu tem 15 anos e adora Pokémon, jogos e outros Animes. Gosta de comer arroz, fazer aula de Karatê e teclado. Também gosta muito de ir ao seminário e para as atividades dos jovens. É super comunicativo e falador. Um futuro missionário que adora cumprimentar as pessoas! Crédito: Amanda Ganzarolli

Preparar-se tendo as pessoas em mente

Essa frase acima está no manual Ensinar a Maneira do Salvador em uma sessão que diz “Concentrar-se nas Pessoas e Não nas Lições” (p.7). Essa lição me faz lembrar que precisamos conhecer as pessoas individualmente e suas necessidades específicas. Em relação às pessoas com deficiências, não pode ser diferente.

Agora que passamos pelo conceito da deficiência é preciso entender que não podemos enxergar todas as deficiências da mesma forma. Pessoas se comunicam, se locomovem, sentem o ambiente, se expressam e se alimentam de maneiras diferentes.

Isso significa que precisamos conhecer a deficiência das pessoas que estão ao nosso redor. Isso leva tempo e exige esforço. Seja como líder ou como membro da ala, só é possível servir aqueles que conhecemos. Então, seguem 4 dicas práticas para você servir as pessoas com deficiência em sua ala ou estaca.

Mirela, 6 anos. Futura missionária. Ala Nova Cidade, Estaca Cumbica (SP). Crédito: Amanda Ganzarolli. 

1. Converse diretamente com a pessoa

Parece meio óbvio, mas não é. É um comportamento muito comum na sociedade, as pessoas fazerem perguntas para aqueles que estão ao lado da pessoa com deficiência, ao invés de fazerem diretamente para ela. Sempre cumprimente a pessoa com deficiência. O fato dela não te responder, não significa que ela não tenha te ouvido.

Caso seja uma pessoa com deficiência que não seja oralizada ou que use Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), se esforce para aprender essa nova forma de comunicação. Comunicar é muito mais do que falar. 

2. Converse com os responsáveis da pessoa com deficiência

Assim como é importante conhecer as famílias dos jovens e crianças que cuidamos, é essencial ter uma conversa para conhecer mais a respeito das pessoas com deficiência de nossa região. Saber suas rotinas, seus gostos, suas habilidades e potencialidades.

É importante entender a rotina de cada família e de cuidadores para conhecer boas práticas de acolhimento e interação com a criança, jovem ou adulto. O próprio tópico Liderança de bem-estar da ala traz diretrizes no item 6.2.2 do Conselho da ala ao dizer

“Planejam meios de ajudar membros específicos da ala a atender às suas necessidades espirituais e materiais, inclusive as de longo prazo. Determinam como ajudar os membros com deficiências ou outras necessidades especiais.”

Isso mostra como a liderança da ala tem o papel fundamental de conhecer aqueles a quem servem.

3. Conheça os recursos para pessoas com deficiência oficiais da Igreja

Dentro do site ou por meio do aplicativo é possível acessar 9 materiais produzidos pela Igreja dividido pelas áreas: formatos acessíveis; recursos adicionais; doutrina; normas e diretrizes; vídeos; estratégias de ensino; líderes; pais e cuidadores e pessoas.

Esses materiais direcionam mais rapidamente para assuntos relacionados às pessoas com deficiência, como no caso de dúvidas em relação a “Interpretar ordenanças e bênçãos em outro idioma” descrito no item 38.2.1 do Manual Geral: Servir em A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

É informado que, se for necessário a tradução para a Língua de Sinais, qualquer pessoa com conhecimento pode fazê-lo. “Se um portador do sacerdócio não estiver disponível, um homem ou uma mulher que possui essa habilidade pode interpretar”. Ter conhecimentos dessas diretrizes é essencial para toda a liderança da ala e da estaca porque ter acesso ao Evangelho é um direito de todos.

4. Estude a deficiência específica da pessoa a quem você serve

De nada adianta as três primeiras dicas se você não estudar a deficiência específica daquela pessoa com a qual você convive e a quem você cuida. Com a tecnologia de hoje, isso se tornou a coisa mais simples e agradável do mundo.

Você pode aprender no Youtube, no Instagram, no TikTok, além de ter acesso a artigos, dissertações, teses, livros digitais, e reportagens sobre diversas deficiências explicadas de várias maneiras. Desde uma linguagem mais acadêmica, até uma super informal. E você pode acessar tudo isso enquanto lava a louça ou volta do trabalho dentro do ônibus.

É importante lembrar que pessoas com Síndrome de Down (Trissomia do cromossomo 21) são diferentes de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que são diferentes de pessoas com nanismo. Cada deficiência é única, assim como cada indivíduo. 

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Otto, 23 meses e sua líder do Berçário, irmã Tânia. Ala JD. Maria Rosa, Estaca Taboão da Serra (SP)
Crédito: Amanda Ganzarolli

O cuidado com as palavras

Para Romeu Sassaki, uma das maiores referências na pesquisa sobre deficiência e inclusão no Brasil, “a construção de uma verdadeira sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem. Na linguagem se expressa, voluntariamente ou involuntariamente, o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiências” (SASSAKI, 2003, p.1).

Sassaki tem trabalhado nos estudos da deficiência desde a década de 60 e seu trabalho a respeito da terminologia sobre deficiência na era da inclusão vem contribuindo na área da saúde, educação e comunicação.

O capacitismo, que é a discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência, pode acontecer de diversas formas. Na maior parte do tempo, ele ocorre na maneira como nós nos comunicamos. É na maioria das vezes naturalizado e até inconsciente, como nas frases “criança especial” ou “pais de crianças especiais”. Ele acompanha narrativas de superação, sofrimento, incapacidade ou extrema proteção. Também está presente na falta de representatividade da mídia, na cobertura jornalística ou no mercado de trabalho por meio da frase “Vagas para PCD”.

Outra forma de capacitismo muito recorrente é por meio do Cripface, um termo usado para descrever a situação na qual um ator ou atriz que não tem deficiência interpreta uma pessoa com deficiência. Isso diminui as ofertas de trabalho para profissionais com deficiência, além da subrepresentação no cenário cultural, como no cinema, por exemplo. 

Família Perez, Ala JD. Maria Rosa, Estaca Taboão da Serra (SP): Octávio, Davi, Otto, Suzana e Rodolpho. Crédito: Amanda Ganzarolli

Para te ajudar  a contribuir com um ambiente anticapacitista, seguem algumas instruções criadas pelo pesquisador Romeu Sassaki.

Para finalizar, faço uso das Palavras do presidente Gordon B. Hinckley “Nossa Preocupação Precisa Sempre Ser com o Indivíduo”. Ao falar em seu primeiro discurso em uma conferência geral como Presidente da Igreja e mencionar o crescimento ao redor do mundo, nosso querido profeta Hinckley (1995-2008), não nos deixou esquecer o que realmente importa: as pessoas.

Quando estivermos novamente com nosso Pai Celestial, tudo o que vai importar será o esforço que tivemos para conhecer e servir as pessoas, pois a maneira como demonstramos nosso amor a Deus é através de nosso serviço ao próximo. 

Como disse o Presidente Hinckley, “Temos Muitas Razões para Ser Otimistas” e acredito que com instrução, capacitação e boa vontade, todos podemos aprender sobre a inclusão da pessoa com deficiência na Igreja. É possível abordar o tema da Inclusão por meio de Gincanas em Mutuais com os jovens, treinamentos para conselhos de alas, estacas e professores, discursos e aulas.

A não ser que todos os membros estejam envolvidos na abordagem do assunto, o tema “inclusão” será apenas uma palavra que escutamos em datas específicas ao longo do ano. Para que o Evangelho de Jesus Cristo esteja realmente acessível a todos é necessário capacitação e ação. 

E não se esqueça, que, a pessoa com deficiência, assim como todas as pessoas diante do Pai Celestial, é o amor da vida de alguém! 

Família Souza, Ala Vista Alegre, Estaca Embu (SP): Andréa, Laércio, Cassiano, Dorothy e Breno.
Crédito: Amanda Ganzarolli

Referências

SASSAKI, Romeu. Nada sobre nós, sem nós: Da integração à inclusão.  2001. Disponível em: <https://www.sinprodf.org.br/wp-content/uploads/2012/01/nada-sobre-n%C3%93s-sem-n%C3%93s2.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2022.

SASSAKI, Romeu. Paradigma da Inclusão e suas Implicações Educacionais. Revista Fórum. 2002. Disponível em <http://seer.ines.gov.br/index.php/revista-forum/article/view/1129>. Acesso em: 20 mai. 2022.

SASSAKI, Romeu. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. 5.ed. Rio de Janeiro: WVA, 2003.

SASSAKI, Romeu. Terminologia sobre deficiências na era da inclusão. Disponível em: <https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/211/o/TERMINOLOGIA_SOBRE_DEFICIENCIA_NA_ERA_DA.pdf>. Acesso em: 11 mai. 2022

OMS. Relatório Mundial sobre a Deficiência. 2011. Disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44575/9788564047020_por.pdf;jsessionid=6F5403A672D8C464A41FFBFAA5A36F01?sequence=4>. Acesso em: 01 mar. 2022. 

Mentais, American Psychiatric Association (APA). DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais Disponível em: <https://www.amazon.com.br/dp/B01GSII7ZW/ref=dp-kindle-redirect?_encoding=UTF8&btkr=1>. Acesso em: 10 mar. 2022.

FRANÇA, Tiago. Modelo Social da Deficiência: uma ferramenta sociológica para a emancipação social . Disponível em: <https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%2031/tiago-henrique-franca.pdf>. Acesso em 7 mai. 2022. 

OMS. WHO – World Health Organization. ICD-11 for mortality and morbidity statistics. Version: 2019 April. Geneva: WHO; 2019. Disponível em: <https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http%3a%2f%2fid.who.int%2ficd%2fentity%2f437815624>. Acesso em: 03 mai. 2022.

JULIOTTI, Renata. Jornalismo humanitário inclusivo – da teoria à prática: estudo sobre a inclusão profissional de jornalistas com paralisia cerebral. Orientador: Cilene Victor. 2022. 166 f. Dissertação de mestrado (Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, 2022. Disponível em: <http://tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/2209/2/Renata%20Juliotti2.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2022. 

| Para refletir
Publicado por: Amanda Ganzarolli
Amanda Ganzarolli é mãe do Davi, de 4 anos, que está dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA). É jornalista e mestranda em Comunicação Social com foco em pessoas em situação de refúgio e pessoas com deficiência na área de comunicação comunitária, territórios de cidadania e desenvolvimento. É membro da Estaca Ferreira, Ala Ferreira, em São Paulo e serve como Diretora de Assuntos Públicos.
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