O que significa realmente perdoar? O perdão é uma escolha sagrada que liberta quem o oferece, não quem ofendeu.

Poucos momentos são tão marcantes quanto aqueles moldados por uma traição profunda e pessoal. Ao relembrar esses episódios, o corpo reage antes mesmo da mente — os músculos se contraem, o estômago revira e a memória retorna com clareza. A dor pode ser duradoura e as consequências, irreversíveis.

Nesses momentos, duas respostas surgem lado a lado: a raiva e o perdão — dois presentes, um em cada mão e, embora ambos pareçam justificados, apenas um pode ser oferecido. Essa é a decisão central do perdão: não é uma emoção passiva, mas uma decisão ativa, muito estudada e sagrada.

Muitas vezes, o perdão é visto como algo que só acontece em momentos dramáticos de grande dor e injustiça, mas ele também precisa estar presente nos momentos cotidianos — como quando alguém diz uma palavra impensada ou comete uma ação negligente. Esses pequenos ferimentos, quando não perdoados, podem se acumular e gerar uma vida inteira de tensão e ressentimento.

Há grande poder, tanto para quem ofendeu quanto para quem foi ofendido, nas palavras: “Eu te perdoo.” Embora muitas vezes se acredite que o perdão deva ser merecido, a religião e as pesquisas mostram outra realidade: o perdão é um presente oferecido não apenas ao ofensor, mas também para libertar e curar aquele que perdoa.

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O que o perdão é — e o que ele não é

O perdão é frequentemente mal compreendido em seu significado e em sua prática, assumindo sentidos diferentes em cada cultura ou indivíduo. Alguns chegam a enxergá-lo como inalcançável antes mesmo de entender do que se trata. O perdão é uma palavra que merece ser analisada com atenção antes de ser descartada. Por isso, algumas explicações ajudam.

Perdão não é:

  • Confiar novamente em quem causou a dor, o sofrimento, a ofensa.
  • Algo que precisa ser merecido por quem feriu.
  • Esquecer o que aconteceu.
  • Fingir que a ofensa não doeu.
  • Permitir que o ofensor continue ofendendo.
  • Reconciliação ou prolongamento de um relacionamento.

Perdão é:

  • Uma escolha de agir com compaixão.
  • Começar a sentir amor enquanto age com compaixão.
  • Algo que é dado, independentemente de o outro demonstrar arrependimento ou mudança.
  • Algo que você faz por si mesmo.
  • Uma escolha contínua, não um evento único.

O psicólogo Everett Worthington, um dos maiores especialistas em perdão, cujas pesquisas inspiraram grande parte deste artigo, identifica duas formas de perdão: decisional e emocional.

  • Perdão decisional: é a escolha consciente de perdoar — muitas vezes por nosso próprio bem-estar, mais do que pelo benefício do ofensor.
  • Perdão emocional: é quando os sentimentos de raiva começam a se suavizar, dando lugar à empatia e à compaixão.

Embora muitos acreditem que as emoções conduzam as ações, pesquisas e experiências mostram o contrário: nossas escolhas e comportamentos moldam gradualmente nossos sentimentos. Em outras palavras, muitas vezes precisamos agir com compaixão antes de senti-la.

A raiva, por sua vez, exerce um forte domínio e frequentemente direciona nossa caminhada em relação ao perdão. Ela pode funcionar como uma maneira de lidar com sentimentos para mascarar a sensação de impotência.

No entanto, como ensinou o Presidente Nelson: “a ira nunca persuade ninguém”, e a sensação de controle que ela oferece é apenas uma ilusão. A mudança depende tanto do ofensor quanto daquele que perdoa.

o perdão é um presente
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Perdoe por você mesmo

As pesquisas de Worthington mostram que o perdão melhora a saúde mental e física, reduz a pressão arterial, diminui a ansiedade e até fortalece o sistema imunológico. O perdão pode não mudar quem causou a dor — mas transformará quem perdoa.

Quando decidimos soltar o ressentimento, começamos, como o Presidente James E. Faust, a “desfrutar de um grau mais elevado de autoestima e bem-estar.”, caracterizado por clareza emocional e paz. Escolher perdoar não nega a dor — apenas se recusa a permitir que essa dor defina o nosso caminho.

Exemplos de perdão

Em determinado momento da história da Igreja primitiva, as tensões estavam altas entre os membros. Pessoas estavam se magoando, guardando rancor e tendo dificuldade de seguir adiante. Nesse contexto, o Senhor deu uma ordem clara aos santos: “deveis perdoar uns aos outros;”. E Ele acrescentou algo importante: “perdoarei a quem desejo perdoar,”.

Contudo, Seus discípulos não receberam esse mesmo privilégio de escolha. Eles eram “exigidos” a perdoar “a todos”. Não é uma sugestão. Não é condicional. É uma diretriz divina para encontrar cura e união. O Senhor não pediu que ignorassem a justiça — pediu que abrissem espaço para Sua misericórdia, deixando de lado o desejo de carregar aquela ofensa.

Por que o Senhor pediria algo tão difícil? Talvez porque Ele, em Seu conhecimento perfeito, saiba que reter o ódio mantém nossa mente presa ao passado e ao ofensor. Focar na ofensa não deixa espaço para contemplar e receber Sua graça curadora e Sua esperança no presente.

O maior exemplo de todos

Jesus, na cruz e em um de seus momentos de maior agonia, proferiu estas palavras ao olhar para àqueles que O torturaram: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.”

Naquele momento, Cristo exemplificou a forma mais elevada de perdão: estender compaixão sem ter recebido desculpas, arrependimento ou mudança. Ele reconheceu a ignorância de seus agressores quanto à profundidade de Sua dor e à gravidade de seu pecado. Muitas vezes, ofensas são cometidas exatamente nesse estado.

Mesmo quando estamos soterrados de remorso — quando o peso das escolhas erradas parece grande demais, ou a ferida é profunda demais — ainda há esperança. A cura não exige perfeição, apenas disposição de voltar-se ao Salvador. Sua graça vai além do que podemos compreender. O Élder Jeffrey R. Holland nos lembra ternamente:

“Não lhes é possível afundar tanto a ponto de não ver brilhar a infinita luz da Expiação de Cristo.”

O mesmo é verdadeiro para aqueles que causaram o mal. Eles também estão ao alcance do amor de Deus — e aqueles que perdoam tornam-se mais semelhantes a Cristo ao desejarem que encontrem paz e cura.

O Gol

O que fazer quando alguém quer perdoar, mas não sabe como ou por onde começar?

Comece por aqui. O vídeo logo acima, curto e dinâmico, contém ferramentas e táticas para ser um pacificador. Esse vídeo amplia os princípios ensinados no discurso do Presidente Nelson “Precisa-se de Pacificadores”. Ele ensina princípios de perdão pela perspectiva de duas crianças jogando futebol.

Conforme mostrado no vídeo, estes passos oferecem um ponto de partida simples para aplicar os princípios divinos e baseados em estudos científicos do perdão:

  1. Nomeie a dor.
    Pense na pessoa que o feriu. Permita-se sentir a dor. Pergunte: O que exatamente me machuca nisso? É a traição? A injustiça? O abandono?
  2. Imagine-se conversando com ela.
    O que você diria se ela estivesse diante de você? Expresse tudo — sem filtros. Escreva em uma carta (mesmo que nunca a envie).
  3. Exerça empatia
    Agora imagine ser essa pessoa. O que ela poderia dizer? Que feridas ela pode carregar? Isso não justifica suas ações, apenas a humaniza.
  4. Visualize os dois presentes.
    Diante de você estão dois presentes: seu perdão e sua raiva. Qual deles você entregará?

Esse processo pode precisar ser repetido muitas vezes — e está tudo bem. O perdão é raramente dado em uma resposta rápida. Assim como qualquer hábito, a escolha de agir com compaixão precisa ser praticada, especialmente quando há desconforto.

No início pode parecer estranho ou artificial, mas cada vez que escolhemos a bondade, a ação se torna um pouco mais natural, um pouco mais automática.

o perdão é um presente
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O Método REOCM

Em qualquer situação, o perdão é um músculo que se fortalece com o uso. É um caminho neural que, com a repetição, passa a favorecer a esperança, a ação e a cura, em vez do ciclo desgastante de ficar remoendo pensamentos.

Se a escolha de agir com compaixão em relação àquele que te ofendeu parece fora de alcance, reconhecer a necessidade de perdoar e seus benefícios já é um bom começo. Deseje querer perdoar.

Com base em suas pesquisas, Worthington desenvolveu o método REOCM:

  • R – Recordar a dor
  • E – Empatizar com o ofensor
  • O – Oferecer o presente sincero do perdão
  • C – Comprometer-se a perdoar
  • M – Manter o perdão quando as emoções retornarem

No vídeo, vemos o método REOCM aplicado passo a passo: relembrando a dor, imaginando a dor do ofensor e escolhendo dar o ‘presente’ do perdão.

A escolha é nossa

A realidade da dor é inegável, e sua profundidade muitas vezes é conhecida apenas pela pessoa e por Deus. A vida frequentemente nos confronta com sofrimentos desproporcionais e inesperados, muitos deles que não são merecidos. Essas experiências não são incomuns, embora sejam profundamente pessoais e, por vezes, solitárias.

O perdão não apaga o passado — mas reconstrói o futuro. Não se trata de negar a dor, mas de recusar-se a permitir que ela determine quem nos tornaremos.

Em um mundo cheio de feridas reais e pessoas imperfeitas, o perdão oferece algo radical: não o controle sobre os outros, mas a cura dentro de nós mesmos. Embora a raiva possa dar a ilusão de poder, somente o perdão nos liberta do peso do passado e abre o caminho para a paz.

Como a pesquisa e a revelação afirmam, o perdão não é só um ideal moral, mas um caminho divino e poderoso de renovação emocional, física e espiritual. O convite permanece: escolha o presente do perdão. Ofereça-o, de novo e de novo.

Fonte: Public Square Magazine

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