A série Sobrevivendo ao Mormonismo ou “Surviving Mormonism with Heather Gay” é uma minissérie documental protagonizada por Heather Gay, conhecida por “The Real Housewives of Salt Lake City”.

Ao longo de três episódios, Heather relata sua própria experiência na fé e explora histórias de ex-membros. A produção explora temas sensíveis, como casos de abuso, dinâmicas de controle e práticas consideradas ultrapassadas.

O trailer e a página da emissora apresentam o projeto como uma revelação da “história sombria” da religião…

A premissa é eficaz: os testemunhos são crus e as consequências, graves. Então, como podemos lidar com esses problemas? 

O que podemos aprender com as duras lições de outras instituições?

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias não é a única instituição a enfrentar relatos delicados envolvendo seus integrantes.

Diversas organizações, religiosas, comunitárias e civis já passaram por investigações profundas que expuseram situações graves e motivaram a criação de políticas mais fortes de prevenção e proteção.

1. Caminhos claros para as autoridades civis

Todo plano realmente confiável defende procedimentos simples e diretos para a aplicação da lei. O escândalo da USA Gymnastics foi uma prova dolorosa disso.

Durante anos, atletas denunciaram os abusos de Larry Nassar a treinadores, preparadores físicos e dirigentes — apenas para verem suas queixas ficarem presas em canais internos, serem repassadas entre organizações ou simplesmente adiadas enquanto líderes se preocupavam mais com reputações e questões de jurisdição.

Investigações do Congresso concluíram que essa rede de responsabilidades sobrepostas e o tratamento interno inadequado contribuíram para que os crimes continuassem.

Em resposta, o Congresso criou o Centro para o Esporte Seguro dos EUA (US Center for SafeSport), concedendo-lhe autoridade independente sobre todos os esportes olímpicos e paralímpicos para receber denúncias diretamente de atletas e profissionais obrigados a relatar, além de investigar e impor sanções.

Em vez de depender da autorregulação de cada federação, passou a existir um órgão externo com um mandato claro: diante de qualquer alegação de abuso, o caso é rapidamente transferido para um sistema de proteção dedicado, fora da cadeia de comando da equipe.

A Investigação Independente sobre Abuso Sexual Infantil (IICSA) na Inglaterra e no País de Gales — após sete anos examinando abusos em igrejas, escolas, lares de acolhimento, autoridades locais e organizações juvenis — chegou a uma conclusão semelhante: processos internos confusos e a priorização da reputação institucional deixaram repetidamente crianças vulneráveis e desprotegidas.

Tanto as recomendações da SafeSport quanto as da IICSA partem da mesma constatação: quando denúncias ficam presas em canais internos lentos, os casos estagnam e os agressores escapam; quando os caminhos para as autoridades civis e órgãos independentes de proteção à infância são diretos, simples e conduzidos por profissionais bem treinados, o volume de denúncias aumenta, padrões de abuso são identificados mais cedo e as crianças ficam mais seguras.

Imagem com dois adultos na sala e várias crianças. Sobrevivendo ao Mormonismo
Imagem: Public Square Magazine

2. Supervisão “em dupla” (sem supervisão individual) — sempre que houver jovens presentes.

O exemplo mais claro de por que o contato individual é tão perigoso surgiu no escândalo de abuso dos Escoteiros da América.

À medida que processos judiciais e arquivos internos de “voluntários inelegíveis” vieram a público, ficou evidente como abusadores seriais usaram caminhadas individuais, acampamentos e viagens de carro para isolar e aliciar jovens com pouca ou nenhuma supervisão direta.

Parte do que tornou o problema tão difícil de controlar era estrutural: o programa ainda permitia que adultos ficassem sozinhos com jovens que não eram da família, criando oportunidades previsíveis para o abuso.

Em resposta, o Escotismo endureceu suas regras, adotando um padrão rigoroso de “liderança em dupla” e “nenhum contato individual”.

Nenhum adulto deve permanecer sozinho com uma criança que não seja sua em qualquer atividade do programa: reuniões, acampamentos ou deslocamentos. E as comunicações eletrônicas seguem o mesmo princípio.

O objetivo não é desconfiar dos líderes, mas estruturar o sistema de modo a reduzir drasticamente tanto a tentação quanto as oportunidades de conduta imprópria.

Com o tempo, organizações voltadas para jovens em todo o país — ligas esportivas, acampamentos, programas comunitários e igrejas — também passaram a adotar essa abordagem.

Seguradoras, gestores de risco e especialistas em segurança infantil chegaram à mesma conclusão: quando adultos nunca estão sozinhos com crianças fora do ambiente familiar, o aliciamento se torna mais difícil, possíveis revelações são mais facilmente percebidas por um segundo adulto e o risco geral diminui.

A supervisão por duas pessoas não resolve tudo, mas é uma das salvaguardas estruturais mais simples de implementar onde quer que haja crianças.

3. Treinamento e reciclagem obrigatórios e específicos para cada função

No distrito escolar de Anoka-Hennepin, em Minnesota, nove alunos morreram por suicídio em menos de dois anos; pelo menos quatro eram gays ou percebidos como gays.

Investigações e um processo por violação de direitos civis revelaram um clima de bullying homofóbico: alunos eram empurrados, cuspidos, urinavam neles e até incentivados a se matar, enquanto funcionários frequentemente minimizavam os incidentes ou deixavam de agir.

O resultado foi um sistema onde o assédio prosperava e os adultos careciam tanto de clareza quanto de preparo.

Em 2012, o distrito firmou um acordo abrangente, imposto pelo tribunal, que exigiu uma reformulação estrutural. Entre outras medidas, Anoka-Hennepin contratou um coordenador do Título IX, fortaleceu o apoio à saúde mental e — crucialmente — instituiu treinamento anual obrigatório para todos os funcionários que interagem com os alunos, abordando as políticas revisadas e seu dever de intervir.

Programas de liderança entre pares e reuniões estudantis anuais também passaram a tratar do assédio e explicar como buscar ajuda.

Imagem de uma placa de trânsito escrito "pare".
Imagem: Pexels

4. Registros centralizados e portabilidade de alertas

Por anos, a Convenção Batista do Sul alegou que, por suas igrejas serem autônomas, pouco poderia fazer além de publicar comunicados. Sobreviventes que tentavam alertar líderes denominacionais ouviam que “nada mais podia ser feito”, mesmo com múltiplas denúncias envolvendo as mesmas pessoas.

A investigação independente da Guidepost Solutions, em 2022, mostrou o resultado desse modelo: não existia um banco de dados central, nenhum processo claro para escalar denúncias e ninguém responsável por identificar padrões.

Assim, informações ficavam em arquivos privados e listas internas que nunca chegavam às equipes de contratação, permitindo que abusadores conhecidos circulassem entre congregações sem serem detectados.

Depois do escândalo, a denominação criou uma Força-Tarefa de Reforma, iniciou o desenvolvimento de um banco público de “Verificação Ministerial” e passou a discutir regras mais rigorosas de checagem de antecedentes e compartilhamento de informações.

A ideia é simples: quando uma igreja avalia contratar um líder religioso, precisa ter acesso a uma fonte segura e centralizada — não depender apenas de referências informais.

As reformas ainda estão em andamento, mas a lógica é amplamente reconhecida em outros setores: quando alertas confiáveis são reunidos e compartilhados, torna-se muito mais difícil para abusadores evitarem seu histórico mudando de emprego ou congregação.

Mesmo sistemas descentralizados precisam de mecanismos centralizados de monitoramento se quiserem impedir que infratores recomeçem em outro lugar.

5. Apoio e reparação às vítimas

Na Austrália, décadas de denúncias sobre abusos em paróquias, escolas católicas, lares do Exército da Salvação e instituições estatais revelaram um padrão recorrente: quando as vítimas finalmente falavam, as instituições costumavam transferir abusadores, contestar processos com agressividade e oferecer pouco apoio real.

O acúmulo de provas — incluindo casos em que membros do clero eram movidos de uma comunidade para outra em vez de serem denunciados — levou o governo, em 2013, a criar a Comissão Real de Inquérito sobre as Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil.

Após cinco anos de audiências e milhares de depoimentos, a Comissão concluiu que pedidos de desculpas não eram suficientes. Entre suas principais recomendações estava a criação de um Programa Nacional de Reparação, financiado pelo governo e pelas instituições participantes.

O programa oferece aos sobreviventes aconselhamento, uma resposta pessoal da instituição responsável e um pagamento monetário como reconhecimento concreto do dano sofrido. Muitas igrejas e entidades filantrópicas aderiram; as que se recusam podem agora ser identificadas publicamente.

6. Cultura e comunicação: a humildade supera a gestão da reputação

As Escolas Públicas de Chicago ilustram como colocar a reputação acima da segurança prejudica os alunos. Uma investigação de 2018 e uma revisão federal do Título IX mostraram que denúncias de violência sexual feitas por estudantes foram ignoradas, mal conduzidas e, em muitos casos, não repassadas à polícia — tudo para proteger a imagem do distrito.

Como resposta, o sistema escolar foi obrigado a reformular suas políticas, criar um Escritório de Proteção ao Estudante e Título IX, treinar novamente toda a equipe, aprimorar verificações de antecedentes e adotar relatórios regulares e transparentes.

Em outras palavras, mudar a cultura exigiu ações concretas: regras claras, responsáveis definidos e prestação de contas.

Hoje, as discussões se concentram menos em acobertamentos e mais em garantir que o novo escritório tenha recursos para funcionar.

Situações semelhantes apareceram em investigações sobre instituições anglicanas na IICSA e nas audiências do Senado dos EUA após o caso Nassar: organizações desviaram denúncias para preservar sua imagem, e só quando esse instinto foi rejeitado — e substituído por estruturas claras e fiscalização — a verdadeira reforma começou.

Em todos esses contextos, a mudança real se mede por resultados: denúncias chegando rapidamente à polícia, vítimas recebendo apoio e líderes aceitando supervisão independente.

Jesus Cristo ensinando seus seguidores.
Imagem: churchofjesuschrist.org

Como A Igreja de Jesus Cristo se saiu nessas seis lições?

Depois de décadas aprendendo com casos tristes e dolorosos no mundo todo, veremos a seguir uma visão clara e direta de como A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias atua em cada uma dessas áreas:

1) Caminhos claros para denunciar e buscar ajuda externa

Desde meados dos anos 1990, a Igreja criou uma linha de ajuda confidencial para que bispos e presidentes de estaca recebessem orientação imediata, jurídica e clínica, sempre que lidassem com situações de abuso.

Já em meados dos anos 2010, os próprios membros podiam encontrar no site oficial da Igreja instruções claras: se você souber ou suspeitar de abuso, denuncie primeiro às autoridades civis. Depois disso, busque apoio espiritual e emocional com líderes locais e profissionais.

A Linha de Ajuda para Vítimas de Abuso e a página “Abuso — Como Ajudar” reforçam isso de forma explícita:

  • Nenhum líder pode desencorajar uma denúncia.
  • Membros devem contatar imediatamente as autoridades;
  • Líderes devem ligar para a linha de ajuda sempre que souberem de um caso;

Atualizações recentes do Manual Geral e da página “Protegendo Crianças e Jovens” (2024–2025) deixam isso ainda mais claro: denunciar às autoridades não é opcional.

2) Supervisão em dupla e fim de encontros individuais

Muito antes de escolas e programas comunitários adotarem o padrão de “dois adultos presentes”, a Igreja já vinha reforçando essa prática.

Desde 2006, o Manual de Instruções orienta que atividades tenham dois supervisores adultos. Essa regra foi sendo ampliada com o tempo: inclui aulas, entrevistas, atividades de jovens e encontros em geral.

A partir de 2020, e especialmente após atualizações em 2025, o Manual Geral consolidou essas orientações dentro de tópicos como “Proteção de Crianças”, “Aulas para Jovens” e “Supervisão de Adultos”.

Isso significa que, quando outras organizações ainda estavam sendo obrigadas por processos judiciais a criar padrões mínimos, os Santos dos Últimos Dias já tinham normas globais e claras por escrito, tornando o ambiente da Igreja um dos mais estruturados em termos de segurança entre adultos e jovens.

3) Treinamento obrigatório e atualizado para cada função

Desde 1995, a Igreja já produzia materiais para treinar bispos a reconhecer e responder ao abuso. Nos anos seguintes, surgiram publicações voltadas para todos os membros sobre como agir diante de violência conjugal e abuso infantil.

Nos anos 2000, a Igreja distribuiu vídeos, folhetos e orientações para conselhos de ala. Em 2008, uma carta da Primeira Presidência reforçou diretamente aos líderes a responsabilidade de proteger vítimas.

A mudança mais significativa veio em 2019, com o treinamento oficial e sistemático de “Proteção à Criança e ao Jovem”. Para quem serve em chamados que envolvem crianças, esse treinamento passou a ser obrigatório e com renovação periódica, o que alinha a Igreja às melhores práticas atuais de prevenção.

Registros empilhados.
Imagem: Pexels

4) Registros centralizados e alertas que acompanham o membro

A Igreja sempre funcionou com um sistema de registros de membros centralizado. Isso significa que, se houver preocupações sérias sobre alguém, as informações não se perdem quando essa pessoa se muda.

O Manual Geral explica como líderes podem suspender registros, aplicar restrições e como essas decisões são registradas no sistema global.

Quando há casos de abuso sexual, físico ou emocional contra crianças:

  • O registro do membro recebe uma anotação;
  • Não deve ser designado para visitar lares onde há menores;
  • Essa pessoa não pode servir em chamados com jovens ou crianças;
  • Essas restrições seguem com ela para qualquer país ou congregação.

Em um momento em que muitas organizações estão apenas começando a criar bancos de dados após investigações dolorosas, a Igreja já contava com um sistema global há décadas.

5) Apoio e cuidado concreto às vítimas

Há muitos anos, líderes da Igreja aprendem que sua primeira responsabilidade em casos de abuso é proteger e cuidar da vítima.

Materiais doutrinários e ensaios oficiais reforçam:

  • A vítima nunca é culpada;
  • Abuso é um pecado grave;
  • Líderes devem ajudar sobreviventes a receber atendimento espiritual e profissional.

Há muito tempo o Manual Geral permite que bispos usem ofertas de jejum para custear terapia para quem não pode pagar. Essa prática combina cuidado fraternal com apoio financeiro concreto.

Nos últimos anos, isso ficou ainda mais explícito. Artigos, treinamentos e a própria sala de imprensa da Igreja afirmam claramente que ela oferece e muitas vezes cobre terapia profissional, independentemente da capacidade financeira da vítima.

6) Cultura e comunicação: segurança acima da reputação

A mudança cultural pode ser a parte mais difícil — mas também uma das mais visíveis dentro da Igreja.

Já em 1978, discursos oficiais condenavam o abuso infantil abertamente. Em 1979, a violência doméstica passou a ser um fator considerado para a recomendação ao templo.

E em 1989, perguntas diretas sobre abuso familiar foram incluídas na entrevista para recomendação, mostrando que o tema é sério dentro da vida religiosa dos membros.

Entre 1976 e 2013, mais de 50 artigos em revistas e publicações da Igreja reforçaram a mesma mensagem: abuso deve ser denunciado e tratado; vítimas merecem apoio; o silêncio não ajuda ninguém.

Após 2018, essa comunicação se tornou ainda mais forte e frequente, com:

  • Artigos específicos para vítimas;
  • Cursos online sobre como reconhecer abuso;
  • Capítulos inteiros no Manual Geral sobre proteção;
  • Explicações públicas sobre como a Igreja lida com essas situações.

A mensagem central é consistente: a segurança das pessoas vem antes da reputação da instituição.

Embora erros individuais ainda aconteçam, como acontece em qualquer organização global, as estruturas, os documentos e os padrões atuais mostram que a Igreja de Jesus Cristo está entre as instituições religiosas que mais desenvolveram práticas claras, escritas e acessíveis de proteção.

Jesus Cristo entre as crianças.
Imagem: churchofjesuschrist.org

O verdadeiro padrão Santo dos Últimos Dias

Se a Igreja adotou tantas medidas de proteção antes de muitas outras instituições, por que séries como “Sobrevivendo ao Mormonismo” dão a impressão de que ela ainda falha gravemente no combate ao abuso e no cuidado com membros LGBT+?

Parte da resposta é simples: escala.

A Igreja é mundial, com milhões de membros e inúmeros líderes locais que lidam semanalmente com crianças, jovens e adultos. Mesmo que a taxa de erros seja muito pequena, qualquer falha — especialmente em temas tão delicados — gera sofrimento profundo.

E basta um número reduzido de casos para produzir material suficiente para uma série documental.

Isso não significa que essas histórias não sejam reais ou dolorosas. Elas são. Mas também são exceções, não o padrão. E são justamente excepcionais porque, doutrinariamente e culturalmente, os Santos dos Últimos Dias valorizam a proteção de crianças, famílias e indivíduos vulneráveis.

Pesquisas sérias mostram que, no geral, a Igreja apresenta resultados acima da média tanto na prevenção de abuso quanto na criação de ambientes seguros para jovens e para membros LGBT+.

Ainda assim, documentários costumam focar justamente nas situações mais extremas e raras, porque são mais impactantes, chamam atenção e, infelizmente, “vendem” melhor.

O fato de a Igreja ser uma minoria religiosa com práticas distintas também aumenta a curiosidade e o foco midiático.

É triste que qualquer um dos casos mostrados em Sobrevivendo ao Mormonismo tenha ocorrido. Mesmo sendo exceções, merecem atenção e resposta. Por isso, a Igreja continua:

  • Reforçando treinamentos;
  • Buscando sempre melhorias.
  • Garantindo a regra dos dois adultos;
  • Oferecendo apoio real e compassivo às vítimas;
  • E tornando os caminhos de denúncia mais visíveis;

Ao mesmo tempo, quando comparamos políticas e resultados com escolas, escoteiros, organizações esportivas e outras igrejas, as evidências mostram que A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias construiu proteções sólidas e, em muitos casos, esteve à frente do restante da sociedade.

Os resultados refletem essa postura: um sistema que, embora não perfeito, tem sido consistentemente mais seguro que grande parte das outras instituições de grande porte.

Fonte: Public Square Magazine

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