‘Não é coincidência’: os frutos do trabalho pioneiro de um casal etíope em seu país
Rochelle Sellers estava sentada no Templo de Tóquio, balançando lentamente um bebê todo vestido de branco. Em uma sala próxima, os pais do bebê estavam recebendo a investidura do templo. Nem Rochelle nem os pais do bebê eram japoneses, mas o plano de Deus de alguma forma os reuniu naquele lugar.
Logo a família seria selada para esta vida e toda a eternidade. Enquanto Rochelle se balançava e olhava para o bebê em seus braços, ela teve uma impressão espiritual avassaladora que dizia: “Esta garotinha vai fazer grandes coisas pelo seu povo”.
Apenas um dia depois, a família voltaria para a Etiópia, a mais de 6 mil quilômetros de onde se ajoelharam para serem selados no Japão. Quando pousaram, a mãe, Betelhem (Betty) Zermariam, foi chamada para ser a presidente da Sociedade de Socorro do ramo, marcando o início da vida da família como pioneira moderna da Igreja em seu país.
Aquele dia sagrado em Tóquio foi há mais de 20 anos, e a impressão de Rochelle se materializou de mais maneiras do que talvez qualquer um tenha imaginado, mas não apenas por meio do trabalho da menina.
Betty e seu marido, Woudneh Redahegn, fortaleceram os santos etíopes tanto material quanto espiritualmente de muitas maneiras.
Então, como duas pessoas da Etiópia se conheceram no Japão, se filiaram à Igreja, se tornaram amigos de Rochelle e embaixadores espirituais, culturais e temporais de seu país? Talvez Betty tenha a melhor explicação possível: “a mão de Deus”.
O casamento e o evangelho
Betty cresceu na capital da Etiópia, Addis Ababa, mas Woudneh foi criado em uma vila a cerca de 55 quilômetros da capital.
Eles nunca se encontraram até se mudarem para Tóquio, no Japão, para buscar diferentes oportunidades de trabalho e então amigos em comum os apresentaram.
“Foi um milagre. Então, quando as pessoas perguntam por que fui ao Japão, digo: ‘Acho que para encontrar meu esposo'”, diz Betty.
Enquanto namoravam em Tóquio, Woudneh e Betty começaram a sentir falta da cultura religiosa que tinham na Etiópia.
“Em Tóquio, as pessoas não são muito religiosas. [Porém] na Etiópia, nunca ouvi falar de um ateu, todo mundo conhece a Deus. Eles são mulçumanos ou cristãos”, explica Betty.
“Então, era difícil estarmos [no Japão] porque no país de onde viemos, há igrejas em todos os lugares. Foi um pouco difícil encontrarmos uma igreja”.
Isso mudou quando Woudneh e Betty foram à inauguração de um restaurante. Os missionários santos dos últimos dias locais viram um folheto do evento e pensaram que seria uma grande oportunidade de encontrar pessoas para ensinar. E eles estavam certos.
Woudneh e Betty encontraram os missionários, que os convidaram para ir à Igreja. Woudneh havia conversado com missionários santos dos últimos dias na Etiópia, mas ele não estava interessado em aprender na época.
Um ano depois, Betty e Woudneh foram a uma ala dos santos dos últimos dias, reuniram-se com os missionários e leram o Livro de Mórmon. Assim que terminaram o livro, eles tomaram a decisão de ser batizados e se casaram em 2000 por seu futuro bispo.
Como nem Betty nem Woudneh falavam japonês, eles frequentaram uma ala de língua inglesa que tinha vários membros americanos.
Foi lá que Betty e Rochelle criaram uma amizade que não apenas abençoaria grandemente suas próprias vidas, mas, eventualmente, a vida de centenas de pessoas na Etiópia.
A esperança
“Quando ela vem me visitar, conversamos por umas sete ou oito horas, isso é normal”, diz Betty rindo sobre sua amiga Rochelle.
Rochelle e sua família são do Arizona, mas as oportunidades de trabalho os trouxeram para o Japão. As duas amigas tornaram-se tão unidas em sua ala que Betty pediu a Rochelle que ficasse com sua filha no templo, enquanto ela e Woudneh recebiam a investidura.
“Betty é mais do que apenas minha amiga, nos consideramos irmãs. Eu adoro ela. Ela é uma mãe tão boa e uma discípula maravilhosa de Cristo”, diz Rochelle.
“Temos as melhores conversas. Ela é maravilhosa, e sinto que o Senhor nos uniu por um motivo”.
Betty e Woudneh voltaram para a Etiópia em 2002, e Rochelle e sua família voltaram para o Arizona em 2005, mas mantiveram contato. E, talvez mais cedo do que pensavam, seus caminhos se cruzaram novamente.
Para seu projeto de escoteiros em 2007, o filho mais velho de Rochelle, Collin, arrecadou dinheiro para fornecer um computador e uma copiadora para a escola primária que os filhos de Betty frequentavam na Etiópia.
Collin também arrecadou dinheiro para fornecer roupas de domingo e escrituras novas para os rapazes de seu ramo na Etiópia, a fim de ajudá-los a se prepararem para a missão.
Quando tudo estava pronto, Collin e Rochelle fizeram o que se tornaria uma viagem de mudança de vida à Etiópia para entregar os itens.
Antes da viagem, Rochelle e sua amiga Chantal Carr trabalhavam com uma organização em Moçambique focada em desenvolvimento comunitário.
Mas quando Rochelle visitou a aldeia que Woudneh cresceu, ela disse a Betty que preferia usar seu tempo e energia para trabalhar na Etiópia com seus queridos amigos.
Betty ficou entusiasmada com a ideia e se ofereceu para servir como diretora no país, uma função que Rochelle sabia por experiência própria ser vital para o sucesso de uma organização internacional, já que o diretor organiza todas as reuniões necessárias dentro do país.
Então, o grupo solicitou uma licença sem fins lucrativos, e a Hope Arising nasceu.
Em março de 2009, Rochelle e sua amiga foram à aldeia de Woudneh para explorar o que a organização recém-formada deveria fazer primeiro.
Rochelle tinha em mente que a Hope Arising ajudaria os órfãos, mas havia uma necessidade mais urgente.
“Nos reunimos com muitos líderes locais e eles ficaram muito felizes por nos ter ali. Todos apoiaram, mas precisavam desesperadamente de água”, diz Rochelle.
A água não era uma preocupação que Rochelle e Chantal tinham abordado em seu trabalho em Moçambique, e elas encontraram uma solução quando juntaram forças com Betty e Woudneh.
Nos três anos seguintes, a Hope Arising arrecadou mais de 400 mil dólares, incluindo uma doação dos Serviços de Caridade Santos dos Últimos Dias, para a compra dos canos necessários para levar água ao vilarejo.
Rochelle observou que a posição de Betty e Woudneh como pilares na comunidade, deu credibilidade à organização e incentivou a cooperação com os líderes locais.
Desde então, a missão da Hope Arising passou a ser inspirar esperança por meio da autossuficiência.
A Hope Arising fornece atendimento odontológico e médico, administra programas de alfabetização e educação e oferece micro empréstimos para ajudar as pessoas a iniciarem seus próprios negócios.
Durante seu tempo como diretora, Betty facilitou tudo dentro do país, enquanto Rochelle e Chantal organizavam voluntários e doadores.
“É nossa cultura e nossa percepção religiosa gostarmos de servir as pessoas”, diz Betty. “Se um hóspede vier à nossa casa, damos nossa cama e dormimos no chão. Acredito que é servir como Cristo”.
Da Etiópia para Utah
Depois de morar na Etiópia por 15 anos, Betty, seu marido e seus cinco filhos agora moram nos Estados Unidos. Quando a família de Betty se mudou para Utah, ela se tornou a diretora executiva da Hope Arising. “Ela completou o círculo”, diz Rochelle.
E embora a Etiópia possa estar a mais de 12 mil quilômetros de distância, Betty é apaixonada por compartilhar a cultura que ama com seus novos vizinhos.
“Depois que nos mudamos para cá, sempre quis ensinar minha cultura e procurei uma maneira de fazer isso”, diz Betty.
“A maioria das pessoas pensam que a África é um país. Então, [ao compartilhar] comida etíope ou danças tradicionais, as pessoas podem me perguntar e eu posso explicar. Somos da África e [a Etiópia] é um país em desenvolvimento, mas sempre há coisas boas em qualquer país. Tenho que mostrar isso a eles porque a mídia não mostra.”
Betty já fez apresentações nas escolas primárias de seus filhos sobre a Etiópia, administra uma empresa de catering em sua casa, chamada Betty’s Ethiopian Cuisine, e já convidou sua vizinhança para experimentar sua culinária.
Ela também administra um canal no YouTube, onde publica tutoriais de culinária de seus pratos favoritos da Etiópia.
Sua presença na Internet também não se limita ao YouTube. Ela ocasionalmente dá aulas de culinária online. E embora todos possam acessar seus conteúdos, Betty tem um público específico em mente: famílias com crianças adotadas da Etiópia.
Becky e Brian Neville, amigos de Betty e Woudneh, adotaram sua filha Bilise da Etiópia em 2014 e Becky destaca que foi o trabalho de Woudneh com agências americanas que tornou a adoção possível.
A família Neville e a família de Betty e Woudneh
“Sempre sentimos uma grande dívida de gratidão por eles e por sua família”, diz Becky Neville. A família Neville conheceu Woudneh pela primeira vez quando foram à Etiópia para a adoção, mas agora as duas famílias são da mesma ala em Utah.
“Minha filha adora comida etíope e Betty é conhecida em todos os Estados Unidos… ela é simplesmente incrível”, diz Becky.
“Onde quer que você vá, haverá uma comunidade etíope, e todo mundo a conhece porque ela está sempre postando como fazer certas coisas. Todo mundo a ama”.
A filha mais velha de Betty, Hermon, também encontrou uma maneira de ser uma bênção para a comunidade etíope nos Estados Unidos: ela ensina danças tribais tradicionais para crianças adotadas da Etiópia.
“Eles são adotados [e] seus pais não sabem muito sobre sua cultura, então posso ensiná-los mais sobre isso. Eles nascem lá, então acredito que deveriam saber de onde vêm suas raízes”, diz Hermon.
No verão passado, Hermon ensinou seis alunos individualmente via Zoom e está ansiosa para ensinar novamente este ano.
Os santos etíopes: pioneiros modernos
De acordo com o Newsroom, a parcela da população da Etiópia que é membro da Igreja é de apenas 0,002 por cento pessoas, com 1.803 membros da Igreja organizados em quatro congregações.
A Etiópia fazia parte da Missão Quênia Nairóbi, que foi criada em 1991, e a primeira reunião oficial da igreja foi realizada na capital, Addis Ababa, em agosto de 1992. Em julho do ano passado, a Missão Etiópia Addis Ababa foi estabelecida.
“É como um período pioneiro para nós. Eu sei que a Igreja é grande em Utah, mas [na Etiópia] é muito pequena. Assim como os pioneiros tiveram muitas lutas, não é fácil”, diz Betty.
Betty viu em primeira mão como pode ser difícil ser um membro pioneiro da Igreja em uma área onde o evangelho é relativamente novo.
Os membros geralmente têm que viajar grandes distâncias para ministrar ou frequentar a igreja, e as crenças culturais e as barreiras linguísticas tornam o trabalho missionário mais lento.
Ainda assim, nas muitas visitas de Rochelle à Etiópia, ela se sentiu impressionada com o exemplo dos santos etíopes.“Nem sei como descrever”, diz ela.
“Fico muito impressionada com a fidelidade e dedicação… Tive algumas experiências em que simplesmente comecei a chorar e disse: ‘Por que a vida tem que ser tão difícil para algumas pessoas? Por que eles têm que se sacrificar tanto para fazer parte do evangelho?’ Não é como se eles pudessem simplesmente entrar no carro e dirigir para a igreja. É um sacrifício. [Mas] o Senhor me disse: ‘Ei, estou ciente. Eles são meus e estou de olho neles.’ Sempre tenho certeza de que o Salvador vai consertar as coisas”.
Uma das maneiras pelas quais Betty promoveu a obra do Senhor em seu país foi ajudando a traduzir Doutrina e Convênios para o amárico, um dos idiomas falados na Etiópia.
O processo levou oito anos para ser concluído. Como revisora eclesiástica, ela forneceu feedback aos tradutores e quando a tradução foi concluída, três anos atrás, Betty recebeu uma das primeiras cópias.
Hoje, Betty trabalha para a Igreja, o que inclui a tradução de discursos de conferências gerais para o amárico.
‘Não é coincidência’
O bebê que Rochelle segurava no Templo de Tóquio Japão, Yodahe, hoje trabalha para trazer outras famílias ao templo como missionária em Nevada. Ela retorna para casa em setembro.
“Sinto que o Senhor nos uniu por um motivo”, diz Rochelle.
“Muitas vezes o Senhor me deixou saber que isso não é uma coincidência. [Ele disse] ‘Estou colocando as pessoas no seu caminho e colocando você no caminho delas para que eu possa fazer meu trabalho aqui'”.
E para Betty, esse trabalho tem tudo a ver com servir e respeitar a beleza do evangelho e das culturas em todo o mundo.
“Na Etiópia, a maioria das pessoas é religiosa, temos temor a Deus. Quando você teme a Deus, você respeita as pessoas e quer compartilhar o que tem. Acredito que é isso. Respeitamos a todos, vemos todos como iguais e temos orgulho do nosso país”.
Fonte: LDS Living