Phong Bounmixay sabia que aquilo não era verdade. Não havia como a União Soviética ter armas poderosas o suficiente para destruir o sol e a lua. Mas ele também sabia que não devia desafiar seu professor. Então, ficou em silêncio.
Em apenas 24 horas, a vida de Phong, então com 14 anos, se tornou um pesadelo. Era 1975, e os comunistas haviam tomado o poder no Laos. Num dia, Phong e sua família eram relativamente abastados; no seguinte, se tornaram pobres demais até para comprar comida suficiente para toda a família.
Qualquer TV ou música que não fosse aprovada pelo governo passou a ser ilegal. Os professores da escola de Phong foram substituídos por oficiais que pregavam lealdade total ao novo regime.
Durante a aula diária de educação física, cada criança recebia uma pá e era mandada cavar um buraco de 1,80m por 2,40m com 3 metros de profundidade. Por quê? Para criar um lago que abasteceria o governo com peixes.
As alegres reuniões com vizinhos, cheias das comidas preferidas de todos, cessaram. Um rigoroso toque de recolher foi imposto. A liberdade diária e as oportunidades futuras de Phong foram arrancadas.
Confiar em Jesus Cristo
Nos três anos seguintes, ele foi forçado a assistir execuções por qualquer sinal de resistência (como questionar afirmações absurdas de um professor). Até mesmo crianças inocentes e indefesas não eram poupadas.
Phong sabia que não conseguiria viver assim por muito mais tempo, horrorizado e perturbado todos os dias. Então, decidiu arriscar uma fuga.
Phong nadaria quase 5 km por um rio infestado de jacarés e patrulhado por barcos militares rumo à liberdade na Tailândia — um plano arriscado e agonizante.
Mas esse risco trouxe resultados muito além do que o jovem Phong poderia imaginar. No dia em que deslizou pelas armadilhas até a margem do rio, ele nunca tinha ouvido falar de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
O jovem de 17 anos, que aprendeu a cozinhar para sobreviver em um campo de refugiados, jamais imaginou que um dia ministraria por meio de rolinhos primavera e frango satay enquanto presidente do Quórum de Élderes.
O mais importante de tudo: Phong ainda não sabia que tinha um Salvador capaz de curá-lo das dolorosas lembranças de sua juventude. Mas, em poucos anos, ele O encontrou.
Apesar de tudo, Phong encontrou paz. Sua história pode te ajudar a acreditar que você também pode encontrá-la — que Jesus Cristo, a única fonte pura de paz, pode curar até os ferimentos mais profundos desta vida. Hoje, Pong diz que:
“Nada pode fazer o que Jesus faz. Tudo que precisamos fazer é confiar e seguir Jesus Cristo. [Então,] tudo é possível.”

A fuga para a liberdade
No dia da fuga, Phong disse uma coisa à sua mãe, enquanto seu coração gritava outra.
Phong amava muito seus pais; eles eram budistas pacíficos que criaram seus 15 filhos para viverem boas vidas. Toda noite, os filhos deviam estar em casa até às 18h30, para não correrem o risco de serem pegos fora de casa após o toque de recolher das 19h.
Às 17h, Phong disse à mãe que ia correr com os amigos. “Ela me disse: ‘Volte antes das 18h30.’ Eu disse ‘Ok’, mas na minha mente, eu disse para ela: ‘Essa será a última vez que te verei, mãe’”, lembra Phong.
Então, ele e quatro amigos se esgueiraram cuidadosamente, desviando dos guardas que patrulhavam o rio. Por 45 minutos, rastejaram lentamente pela margem, avisando uns aos outros ao verem fios de armadilha. Depois, os garotos entraram na água e começaram a nadar.
Após uma hora e meia nadando silenciosamente sob a superfície, subindo apenas brevemente para respirar, um dos amigos de Phong gritou: “Fomos pegos!” Phong virou-se e viu um barco militar se aproximando. Mas o barco passou direto, sem notar os meninos.
Logo depois, eles sentiram vibrações na água quando o barco abriu fogo rio abaixo, contra outra pessoa. Sabendo que os militares estavam distraídos, os garotos nadaram com força. Então, um dos amigos de Phong gritou que suas pernas estavam travando.
“Eu disse para ele se segurar no meu braço esquerdo, e tentei nadar com o direito. Mas, alguns minutos depois, ele escorregou de mim e eu o perdi,” conta Phong.
Depois de três horas nadando, três adolescentes exaustos chegaram a um campo de refugiados na Tailândia, em 1978.

‘Estou a caminho’ ainda em busca da liberdade
O campo estava lotado de refugiados. Os garotos andaram procurando onde ficar até que um senhor lhes entregou um facão e disse para cortarem bambu e construírem seu próprio abrigo.
“A vida não era fácil,” diz Phong sobre o campo. “Mas era melhor que no Laos porque tínhamos liberdade.”
A comida era escassa, então eles aprenderam a caçar e comer qualquer coisa que se movesse: ratos, cobras, gafanhotos. Cerca de uma vez por mês, recebiam um frango cru e cerca de 1,5kg de arroz. Nenhum deles sabia cozinhar, então Phong decidiu aprender. Acendeu um fogo e, na primeira tentativa, queimou toda a comida. Naquele momento, prometeu que aprenderia a cozinhar.
Depois de dois anos, um patrocinador tornou possível que Phong e seus amigos imigrassem para os Estados Unidos. Phong foi parar em Maryland, não muito longe de onde seu pai havia treinado para ser médico.
Pong ficou “tão feliz” ao conseguir um emprego como lavador de pratos e ter seu próprio apartamento, mas os EUA não eram o sonho ideal que ele imaginava. Ali, ele ainda era um refugiado.
Ele sabia apenas três palavras em inglês (yes, no e OK); a comida, o clima e os costumes eram diferentes. E frequentemente tinha que se defender fisicamente em estações de trem e pontos de ônibus, onde tentavam assaltá-lo.
“Eu lutava física e emocionalmente,” lembra. Depois de quase um ano morando nos EUA, surgiu uma oportunidade de ir para um lugar no oeste chamado Pocatello, em Idaho.
A única pergunta de Phong foi quantas pessoas moravam lá. Quando soube que a população era bem menor do que em Maryland, ele disse: “Estou a caminho.” A vida seria muito melhor para Phong em Idaho — e não apenas porque havia menos gente.

Eu sabia que era verdade
Logo após chegar, Phong conheceu um amigo inesperado: um americano que falava tailandês.
“Fiquei chocado que um homem branco como o Rod falasse tailandês e comesse comida tailandesa,” diz Phong, destacando que sua avó era da Tailândia, então ele conhecia o idioma.
“Viramos melhores amigos instantaneamente. Eu o adorava porque falávamos parecido e comíamos a mesma comida.”
Rod Johnson havia voltado recentemente de uma missão dos Santos dos Últimos Dias na Tailândia e logo convidou seu novo amigo para uma atividade de acampamento de jovens adultos solteiros em um lugar chamado Scout Mountain.
“Foi a primeira vez que conheci pessoas realmente, realmente boas [nos EUA],” lembra Phong. “Não precisava mais me proteger o tempo todo. Senti algo que não sabia descrever: algo diferente, algo bom.”
Phong contou a Rod sobre o que sentiu no acampamento, e Rod o convidou para conhecer os missionários.
“A primeira vez que os élderes me disseram que o Pai Celestial enviou Seu Filho para morrer por mim, eu disse: ‘Como eu vou saber? Isso é bom demais para ser verdade,’” Phong recorda com emoção, como se fosse ontem. Os missionários o incentivaram a ler o Livro de Mórmon e orar sinceramente pedindo uma resposta.
“Jejuei por três dias e orei — e senti. Eu sabia que era verdade,” diz Phong. Logo depois, foi batizado, em 1981.
“Que sorte a minha, não apenas de escapar de casa e recuperar minha liberdade, mas também de me juntar à Igreja e provar do fruto da árvore. O fruto do evangelho é maravilhoso; ele cura. Sinto amor, sinto paz. Acredito mesmo que Jesus Cristo me trouxe até aqui… Não consigo acreditar no que Ele fez, em Seu sacrifício, Sua Expiação. Não há nada que possa me curar além Dele.”

Encontrando seus pais
Desde que chegou aos Estados Unidos, Phong tentou escrever para seus pais, mas não teve retorno. Três semanas após seu batismo, ele ficou chocado e encantado ao receber uma carta deles.
Alguns anos depois, quando os comunistas deixaram o Laos, Phong convidou com entusiasmo seus pais para visitá-lo.
Por causa das restrições do governo no Laos, seus pais precisaram visitá-lo separadamente. Sua mãe veio primeiro, e quando Phong a buscou no aeroporto de Salt Lake City, ela percebeu que havia algo diferente nele.
“Durante o caminho para casa, ela me perguntou: ‘Filho, você ainda pratica o budismo?’ Eu disse: ‘Não, mãe, não acredito mais no budismo; eu acredito em Jesus Cristo’”, contou Phong.
Quanto mais ele explicava suas experiências e crenças, mais tranquila sua mãe ficava com sua escolha. Mas ela o alertou de que, quando seu pai viesse visitá-lo, a situação não seria boa.
“Quando fui buscá-lo, a primeira coisa que meu pai disse foi: ‘Você me desrespeita. Eu sei que você não pratica mais o budismo’”, lembra Phong. Ele garantiu ao pai que o amava e tentou explicar sua decisão, mas o pai estava irritado demais para escutar.

‘Alô, irmão Bounmixay!’
Depois de algumas semanas tensas em Pocatello, o pai de Phong decidiu ir visitar seu irmão em Rhode Island. Antes de partir, Phong lhe entregou um exemplar do Livro de Mórmon.
“Se você quiser me conhecer, leia este livro”, disse Phong. “Ele o pegou, mas não prometeu ler.”
Três meses depois — para total surpresa de Phong — um missionário ligou para dizer que acabara de batizar o pai dele. Dois missionários haviam batido na porta onde o pai de Phong estava hospedado.
Seu tio os expulsou com uma arma, mas os missionários sentiram-se inspirados a voltar. Novamente foram mandados embora. Mas um dos missionários sentiu fortemente que precisavam tentar mais uma vez.
Dessa vez, o pai de Phong os viu, reconheceu quem eram e os convidou para entrar, dizendo: “Quero conhecer meu filho.”
Ao receber a notícia do batismo do pai, Phong ligou imediatamente. “Eu disse: ‘Alô, irmão Bounmixay!’ E ele disse: ‘Alô, irmão Bounmixay!’”, lembra Phong com carinho. “Ele voltou para ficar comigo, e foi uma alegria só. Eu não podia acreditar.”

Os rolinhos primavera do irmão Bounmixay
Phong é um membro querido da comunidade de Pocatello e de sua estaca de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Assim, ele serviu em muitos chamados na Igreja ao longo dos anos, mais recentemente como presidente do quórum de élderes.
“Ele entende o evangelho. Ele sabe que tudo se resume ao amor”, diz Adam Bradford, vizinho e amigo de longa data.
“O irmão Bounmixay está sempre presente com arroz glutionoso e rolinhos primavera. Ele serve de todas as maneiras possíveis, e por isso realmente conhece todos do bairro. Ele exemplifica o serviço de uma forma que poucas pessoas fazem.”
Assim como sua família fazia no Laos antes da chegada dos comunistas, Phong organiza encontros com seus pratos preferidos para os vizinhos.
Ele faz centenas de seus famosos rolinhos primavera para ajudar em arrecadações de fundos dos jovens, cozinha o jantar de Natal da ala há vários anos e seu café da manhã de 4 de julho atrai mais de 150 pessoas.
“Acho que as pessoas vão só para vê-lo”, diz Karen Murphy, amiga de Phong. “Todo mundo está sempre ocupado, mas eles vão porque querem vê-lo. … Nem o conhecíamos quando nos mudamos, e de repente ele era como nosso anjo da guarda. … Dá pra ver que ele ama o Salvador sem dúvida alguma.”

Grato pela liberdade de adorar
Phong se casou com sua esposa, Roni, em 1999 no Templo de Idaho Falls. Eles têm seis filhos — um verdadeiro milagre para Phong, que na juventude “nunca imaginou que teria sua própria família.”
Ao longo dos anos, Roni viu como o hábito de ser grato pelas coisas boas da vida ajudou Phong a manter uma sensação de paz.
“Ele é muito grato. Você não passa por uma oração com ele sem que ele agradeça ao Pai Celestial pela liberdade de adorar. Isso está no topo da lista dele”, diz Roni.
“E acredito que… é assim que ele mantém a paz: sendo capaz de dizer ‘sou grato por isso, sou grato por aquilo.’ Mesmo olhando para trás, para memórias difíceis, ele ainda é grato — ele sempre encontra alguma história boa para compartilhar, mesmo nas situações difíceis.”
Phong parece não dar nenhum dia — ou bênção — como garantido. “Sinto como se tivesse chegado aos Estados Unidos ontem”, diz ele.
“Sei que somos filhos do Pai Celestial, e Ele ama cada um de nós. Ele quer que voltemos para casa, tem um plano para cada um, e nos deu um caminho ao enviar Seu Filho, Jesus Cristo, para morrer por nós, expiar por nós e tornar possível nosso retorno. Por causa Dele, tudo é possível.”
Fonte: LDS Living
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