Deus sempre interagiu com Seus filhos em meio às mais arrasadoras adversidades. Somente imersos nesses testes é que provamos nossa confiança Nele.
Quando o presidente Wilford Woodruff anunciou o Manifesto em 1890, ele disse: “O Senhor jamais permitirá que eu ou qualquer outro homem que presida esta Igreja vos desvie do caminho verdadeiro.” (Declaração Oficial 1). Nessa mesma linha, o presidente Russell M. Nelson chegou a nos pedir: “Admitam a possibilidade de seus líderes cometerem erros”, porque, como disse o presidente Dallin H. Oaks, “não cremos na infalibilidade de nossos líderes”.95
A despeito de qual seja o significado de “desvie do caminho”, isso não quer dizer que o profeta do Senhor nos dirá sempre, nos mínimos detalhes, o que devemos fazer. Às vezes, ele nos pede que sigamos nossa própria consciência, em parte para nos ajudar a aprender como desenvolver nossa confiança em Deus. Por exemplo, tratando em 1890 se a Igreja deveria manter ou abandonar o casamento plural no momento em que o governo dos Estados Unidos estava prestes a confiscar os templos da Igreja, o presidente Woodruff disse que o Senhor havia pedido a ele “que fizesse uma pergunta aos santos dos últimos dias”, a saber, “qual o melhor caminho a ser seguido”, desistir dos templos ou do casamento plural? Ao ouvirem e encontrarem suas próprias respostas, ‘pelo Espírito e poder de Deus, todos [responderiam] da mesma forma e todos [creriam] da mesma forma’”. Então, sem nenhum decreto, ele concluiu: “Deixo-vos isto para que pondereis a respeito” (Declaração Oficial 1).
Com inspirada intuição, o presidente Woodruff invocou o poder sagrado que cada membro da Igreja tinha de se relacionar com Deus e, por si mesmos, encontrar a mesma resposta que o profeta já havia adquirido. Essa visão pode nos ensinar como, em sã consciência, podemos dar ao Senhor e à Sua Igreja o benefício da dúvida ao enfrentarmos nossas complexidades.
Impulsionados pela experiência de Khumbulani Mdletshe, vamos aplicar essa ideia à questão da etnia e do sacerdócio. Seria fácil concluir, como alguns membros da Igreja o fazem hoje, que todas as Primeiras Presidências, de Brigham Young a Harold B. Lee, estavam simplesmente erradas ao manterem, por mais de um século, a restrição ao sacerdócio e ao templo — não que algumas de suas teorias para explicar a proibição estivessem equivocadas (como a Igreja chegou a reconhecer), 96, mas que a proibição em si estava errada.
Existe uma diferença entre a restrição e suas possíveis razões. Conforme disse o presidente Oaks, “já faz muito tempo que decidi sobre minha fé no mandamento, sem me preocupar com suas razões”.97 Além disso, ele acrescentou: “Na maioria das vezes, o Senhor não explica o motivo pelo qual Ele dá mandamentos e orientações aos Seus servos”.98
Essa é uma questão muito importante. Concluir que a restrição ao sacerdócio estava errada aumenta a probabilidade de evitarmos conceder ao Senhor e Seus profetas o benefício da dúvida sobre outros assuntos importantes.
Pesquisas recentes descobriram que “quase dois terços dos que se identificam como santos dos últimos dias dizem que sabiam ou acreditavam” que essa restrição foi a vontade de Deus para a Igreja até 1978.99 Ainda assim, ouvimos duas narrativas contraditórias hoje em dia entre os membros fiéis da Igreja.
Em primeiro lugar, alguns afirmam que as opiniões dos líderes da Igreja do século XIX sobre os negros simplesmente refletiam atitudes racistas da cultura americana recorrentes naquela época. Porém, dizem eles, o contexto histórico não deveria se sobrepor à verdade eterna. Com a visão retrospectiva dos dias mais igualitários de hoje, ficaria claro que a restrição ao sacerdócio e ao templo estaria simplesmente equivocada. Segundo eles, os líderes deveriam ter se colocado mais em sintonia com Deus e ter sido mais corajosos. E tem mais, alguns homens negros já haviam recebido o sacerdócio durante a época de Joseph Smith.
Em segundo lugar, outros diriam que a restrição em si não foi um erro. Não deveríamos interpretar a história racial do século XIX usando as lentes dos pressupostos do século XXI sobre o que nossos líderes da Igreja poderiam e deveriam ter entendido e feito há muito tempo em nome da justiça e da igualdade. Eles afirmam que o Senhor tinha seus próprios motivos para aquela proibição. Nos tempos mais antigos, por séculos, o evangelho havia sido retido até a revelação dada a Pedro sobre Cornélio. A revelação de 1978 foi, então, parte de Seu plano na longa sequência histórica de levar a mensagem do evangelho a “todos os povos”. Só Ele poderia julgar quando aquelas pessoas, a Igreja e a sociedade estariam prontas para esse passo culminante.
Em busca de reconciliação entre esses pontos de vista, certa vez fizemos um esforço para rever evidências históricas plausíveis que apoiariam cada um desses pontos de vista. Uma evidência tem sua importância, pois embora a racionalidade do argumento e da evidência não gerem por si só a crença, tal evidência “sustenta um clima onde a crença poderia florescer”.100 A evidência histórica por si só nem sempre é capaz de provar ou de refutar totalmente as afirmações bíblicas e proféticas, mas serve de apoio àqueles que desejam conceder o benefício da dúvida aos profetas do Senhor, ao saberem que existe pelo menos uma base racional que fundamenta sua escolha. Chamemos isso de “fé informada”.
Decidimos, então, fazer uma pausa, percebendo que onde havíamos colocado o benefício da dúvida na resolução de complexidades dessa natureza, no final, seria mais provável se deparar com questões mais complexas do que simplesmente chegar a uma evidência razoável. Quando se trata de assuntos delicados e complexos, é muito fácil se perder em detalhes e diferenças de opinião no que tange a “evidências” que tirariam a atenção do ponto culminante e pessoal do processo de se decidir como, onde e a quem devemos dar o benefício da dúvida quando se tratar de casos encerrados.
Como disse um amigo, “nem todas as incertezas precisam ser resolvidas intelectualmente. A fé cega é simples, fácil e, em última análise, arriscada, mas o benefício da dúvida é algo conquistado por reflexão e experiência, dado aos outros de maneira amorosa e caridosa, não porque você precisa”, ou por causa de evidências plausíveis, “mas porque você ama e confia” nas autoridades — exatamente como faz Deus ao estender “o braço da misericórdia aos que nele confiam” (Mosias 29:20), “concedendo a cada um de nós uma chance vinculada a possíveis dúvidas, seguramente bem fundadas”, no que tange a nosso mérito final.
Semelhantemente, no que se refere a lidar com questões não resolvidas após ter reunido todas as evidências disponíveis, lembre-se da promessa de Morôni sobre como descobrir se o Livro de Mórmon é verdadeiro. Antes de aplicar o teste conhecido em Morôni 10:4–5, ou antes de decidir onde colocar o benefício da dúvida, o primeiro passo que Morôni cita é: “Eis que desejo exortar-vos, quando lerdes estas coisas (…) a vos lembrardes de quão misericordioso tem sido o Senhor para com os filhos dos homens, desde (…) Adão até [agora] (…) e a meditardes sobre isto em vosso coração” (Morôni 10:3).
Por que razão devemos iniciar nossa busca com tal lembrança e reflexão? Porque a gratidão volta nosso coração a Deus, e porque Ele “tem um histórico infinito de apontar com amor a direção certa”. Portanto, nossa atitude fundamental nos convida para além da cultura vigente e das evidências históricas, até a “perspectiva de um Deus amoroso que sempre operou pacientemente por meio de pessoas imperfeitas com a finalidade de cumprir uma missão perfeita”.102
Essa atitude de confiar em Deus não precisa ser algo complicado. Um amigo passou por isso da seguinte maneira. Quando criança, ele ficava perplexo ao se perguntar o que poderia significar “vida eterna”. “A perspectiva de viver para sempre parecia incrivelmente entediante para mim. Eu mal conseguia sentar-se durante três horas nas reuniões na igreja. [Então] levei minha preocupação a Deus com a sinceridade de uma criança, e recebi uma resposta de impacto: ‘Confia em mim. Será bom’”. A partir daí, ele passou a desejar a vida eterna, não porque a entendesse, mas porque “Deus falou [com ele] e [ele confiou] Nele”.103
A presença de uma explicação plausível diante de qualquer questão complexa com a qual estejamos lutando pode ser consoladora, chegando, inclusive, a alimentar nossa fé. No entanto, nossas escolhas de crer não podem — e, portanto, não devem — sempre contar com um suporte racional pleno. Optar por acalmar o caos de nossas incertezas, estendendo ao Senhor e à Sua Igreja o benefício da dúvida, preserva nossa capacidade de fazer os sacrifícios, grandes e pequenos, que nossa consagração exige — desde aceitar um chamado para a missão e pagar o dízimo até aceitar outros chamados na Igreja, jejuar e usar o garment do templo com respeito.
Aprendemos aqui o que presidente Spencer W. Kimball disse sobre Pedro negar a Cristo três vezes.104 Talvez a interpretação comum esteja correta — Pedro negou conhecer a Cristo porque era humano, fraco e temeroso. Por outro lado, o presidente Kimball explicou que é possível que a declaração do Salvador não tenha sido uma predição, mas um pedido para Pedro negar conhecê-Lo a fim de assegurar a liderança futura que Pedro exerceria na Igreja. Qual interpretação está correta? A exemplo de Wilford Woodruff, Spencer Kimball deixou isso para nós decidirmos.
O mesmo ocorre com a restrição ao sacerdócio — ou com qualquer posição oficial da Igreja. Talvez nossas autoridades tenham cometido um erro. Talvez não. Foi um erro Pedro ter retido o evangelho do mundo gentio até a revelação descrita em Atos 10? O Senhor deu a Pedro os motivos dessa revelação? O Senhor daria instruções a Seu profeta sem estarem acompanhadas das razões para a instrução? É possível, em parte porque ainda não podemos entender Seus motivos. Pense no Senhor pedindo a Mórmon para incluir as placas menores de Néfi, ou pedindo a Adão e a Eva que oferecessem sacrifícios, ou a anunciação a Maria. Em cada situação, de início, Ele jamais apresentou razões para aquilo que estava pedindo que fizessem.
Não conseguiremos apresentar “provas” suficientes para assegurar as respostas a todas essas perguntas. Portanto, o Senhor espera que escolhamos onde depositar nossa confiança, por meio de um processo pessoal rigoroso, investigativo e que nos vincule a Ele. Espera-se que levemos em conta tudo aquilo que nossa experiência nos ensinará sobre a confiança Nele.
Os capítulos anteriores exploraram porque o Senhor, com tanta frequência, coloca-nos em tais situações, onde não somos forçados a acreditar, por causa de circunstâncias, mesmo quando Ele nos exorta a “sermos crentes”. Pois “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que [escolheram crer] no seu nome” (João 1:12; grifo do autor). Por quê? Porque algo acontece com as pessoas que optam por recebê-lo. Eles aprendem. Seguir Sua vontade os transforma. Nossas escolhas sem coerção fazem valer o processo de nos tornarmos como Ele é.
O Senhor enxerga um quadro infinitamente maior do que o nosso. Se quisermos a bênção dessa perspectiva infinita, devemos conceder a Ele e a Seu profeta o benefício da dúvida — o qual, em última análise, é resumido em uma questão de confiança. Somente após demonstrarmos essa confiança, Ele será capaz de nos ajudar a aprender o que Ele deseja que aprendamos. Valorizamos aquilo que descobrimos muito mais do que aquilo que nos dizem.
Dar excessiva importância às “evidências” poderá fazer com que embasemos nossa confiança inteiramente na razão ou nas expectativas de certas bênçãos. Porém, isso não é uma confiança, mas uma barganha. A menos que demonstremos a Ele nossa “confiança não contingente” (confiança que não depende de um resultado específico), Ele não poderá nos levar para onde sabemos que precisamos ir — um destino muitas vezes ainda desconhecido para nós.
Por outro lado, como funciona a “confiança contingente”? Mencionamos o ex-missionário que disse ter deixado a Igreja porque “a Igreja simplesmente não havia atendido a [suas] expectativas”. Suas expectativas — sua visão pessoal do que era melhor para ele — davam o roteiro do que ele permitiria que o Senhor lhe pedisse ou fizesse por ele. Era uma confiança contingente.
Então, como funciona a confiança não contingente? Reflita sobre alguns exemplos. Nathan Leonhardt, um aluno da BYU, contou-nos como ele passou pelos três estágios de lidar com a incerteza. Ele disse que aprendeu sobre “o paradoxo de que a Expiação de Cristo tem o poder de preencher a lacuna entre o que é real e o que é ideal, sendo que isso nem sempre acontece”. Ele conheceu sua cota de expectativas frustradas, vendo o que acontece ao se “colocar total fé em um desejo justo, implorar por ajuda e, ainda assim, não ver a lacuna ser preenchida”. Ele não teria “força para reconciliar esse paradoxo com [sua] visão de mundo ‘olhos fechados e coração aberto’. “Para reconciliar esse paradoxo, encontro segurança nos exemplos de discípulos devotos que me ensinam a fé em Cristo não-contingente sobre resultados.”
Nathan continuou: “Para cada Sadraque, Mesaque e Abednego que são salvos das chamas (Daniel 3), um Abinádi poderá ser queimado (Mosias 17). Para cada Alma, o Filho, rebelde que é trazido à luz por um pai suplicante e fiel (Mosias 27), um Lamã e Lemuel continuará a se desviar (1 Néfi). Para cada 2 mil jovens guerreiros que saem da batalha com nada mais do que feridas (Alma 56:56), 1.005 serão deixados para serem mortos pela espada (Alma 24:22). Para cada Amon que leva milhares de almas ao arrependimento (Alma 26:22), um Mórmon e um Morôni trabalharão todos os dias de sua vida sem ver os frutos de seu trabalho (Morôni 9:6). Para todo cego que chega a ver, todo surdo que chega a ouvir e todo coxo que chega a andar (Mateus 11:5), a experiência de sofrimentos insondáveis os aguardará no Getsêmani (Mateus 26). Contudo, “para cada Abinádi que é queimado, às vezes um Alma leva a doutrina a sério e começa uma vida inteira de serviço a Deus (Mosias 17). Para cada 1.005 deixados para serem mortos, às vezes vemos que “o Senhor trabalha de vários modos para salvar seu povo.”, pois mais almas são levadas ao arrependimento do que o número dos que perecem (Alma 24:27). Para cada ‘seja (…) como tu queres.’ em submissão à agonia do Getsêmani (Mateus 26:39), há uma sublime oração a ser registrada, crianças sendo abençoadas individualmente, anjos descendo de céus abertos e lágrimas correndo pelo rosto Daquele que pode finalmente declarar a plena alegria (ver 3 Néfi 17)”.105
Quando nossa fé for baseada na confiança e não em bênçãos esperadas, suportaremos qualquer provação.106 Não sabemos se, quando, ou como Ele nos livrará em um curto prazo; entretanto, quando humildemente Lhe rendermos nossa confiança a despeito de nossas circunstâncias, em longo prazo Ele sempre nos resgatará.
Jó é a personificação de confiar a despeito das circunstâncias. Satanás zombou de Deus dizendo que a confiança de Jó era ocasional: “A obra de suas mãos abençoaste, e o seu gado está aumentado na terra. Mas estende a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não te amaldiçoa na tua face!” (Jó 1:10–11). Em outras palavras, Jó parecia fiel, mas vivia dessa maneira simplesmente porque prosperava. Deus, então, deu o aval para que Satanás fizesse o que quisesse com Jó. Uma série de traumas horríveis atingiu Jó, sua família, seus servos e sua propriedade. No entanto, Jó caiu por terra e adorou, dizendo: “O Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor.” (Jó 1:21). Satanás havia interpretado Jó erroneamente. Mas o Senhor conhecia seu coração e a confiança que ele tinha a despeito das circunstâncias.
Em nossos dias, observe onde a confiança que não depende das circunstâncias demonstrada por Richard Bushman o levou — e onde a nossa poderá nos levar: “Estou ciente dos argumentos contra a historicidade [do Livro de Mórmon], mas não posso deixar de sentir que aquelas palavras são verdadeiras e que aqueles eventos aconteceram. Acredito nisso frente a muitas perguntas. (…) Por mais que pareçam sem respostas, não devemos lamentar os questionamentos que elas trazem. A pressão para acreditar em tempos de descrença não é uma desvantagem ou um fardo. É um estímulo, um empurrão. (…) E (…) isso nos aproxima”.107
Levando em consideração que realmente estamos juntos nisso, o que vai ocorrer quando deixarmos o particular se tornar o geral e imaginarmos toda uma multidão de pessoas cuja fé depende das circunstâncias – ou seja, baseada na confiança e não em bênçãos barganhadas? Esta imagem nos remeteria ao que Wilford Woodruff quis dizer naquele momento, quando em vez de dar aos santos “a resposta” sobre o que é certo ou errado referente ao Manifesto, ele gentilmente pediu-lhes que encontrassem sua própria resposta “pelo Espírito e poder de Deus”. E se assim fizessem, disse ele, “todos [responderiam] da mesma forma e (…) [acreditariam] da mesma forma”. Como ele podia estar tão seguro disso?
Porque esse é “o espírito de equipe”.
Em uma seção inesquecível da obra Guerra e Paz, Leo Tolstoi narra os avanços avassaladores de Napoleão na imensidão do território russo. Ocorreu, então, uma impetuosa luta perto de Moscou, a Batalha de Borodino, quando o exército russo resiste ao exército francês, ao que tudo indica, em um embate de igual para igual. O que se passa a seguir é o ponto de inflexão da grande batalha de 1812, revertendo o ímpeto em favor dos russos.
No momento em que o comandante russo, Kutuzov, está para decidir se deveria partir para um novo ataque logo após Borodino, Tolstoi escreve que ao ouvir os relatórios de quem vinha do campo de batalha, o velho general pareceu “não estar mais interessado nas palavras ditas, mas sim em outra coisa — ou seja, no semblante e no tom de voz daqueles que estavam fazendo os relatos”. Com base em sua longa experiência, Kutuzov tinha conhecimento de que batalhas não são decididas tanto por detalhes logísticos referentes a posições e a canhões, “mas por aquela força intangível chamada de “espírito de equipe”.
Ambos os exércitos haviam perdido milhares de homens em Borodino. Os conselheiros de Kutuzov o pressionaram a recuar, como sempre haviam feito contra Napoleão. Mas Kutuzov percebeu que seus homens sabiam que estavam de costas para o simbólico muro de Moscou, mas ele os percebeu se recompondo de uma maneira íntima profunda. Por isso, surpreendendo seus estrategistas, ordenou ataque no dia seguinte: “[Os franceses] foram repelidos de um extremo ao outro, pelo que dou graças a Deus e ao nosso valente exército! (…) Amanhã nós os expulsaremos do solo sagrado da Rússia”. E Kutuzov chorou.
Tolstoi então escreveu: “Por meio desse misterioso vínculo indefinível (…) conhecido como ‘o espírito de equipe’” a ordem de batalha de Kutuzov foi disseminada “de um extremo ao outro do exército”. E mesmo que os detalhes fossem um tanto confusos, “o sentido de suas palavras espalhou-se por toda parte”, porque sua mensagem “não fora o resultado de cálculos astutos, mas de um sentimento que vibrava em [sua] alma, assim como [na alma] de qualquer outro russo”. Seus soldados exaustos “se sentiram reconfortados e inspirados”.108
A teoria de Tolstoi, nessa história, é que “devemos deixar de lado reis, ministros e generais e estudarmos (…) os pequenos elementos que movem as massas”.109 Ele acreditou que não era questão de uma estratégia superior ou de uma liderança carismática, mas da onipresente “simplicidade, bondade e verdade” do povo russo e de seu exército — mesmo em meio a fraquezas — que viria a “derrotar um poder que não respeitara a simplicidade, mas que agira usando o mal e a falsidade”.110
Há não muito tempo, um ponderado professor de direito da família, vindo do Japão, não-membro da Igreja, visitou o campus da BYU por uma semana, ficando hospedado em um dos alojamentos dos estudantes. Diariamente, ele ia ao refeitório, observando e conversando com alunos e professores da BYU. No dia de seu retorno ao Japão, ele me disse: “Nunca vi um lugar como esse. Esse campus é uma ilha de esperança na terra do Apocalipse. Preciso conhecer o mistério por trás de todos esses olhos brilhantes”. Respondi que o mistério por trás dos olhos brilhantes dos alunos é “o espírito de equipe” dos santos, um espírito de “simplicidade, bondade e verdade” que anima a comunidade da BYU assim como cada ala e ramo da Igreja.
Aqueles que criticam os santos dos últimos dias por seguirem cegamente seus líderes não entendem realmente a origem e o significado desse espírito. Parecem incapazes de compreender que aqueles olhos brilhantes não são “o resultado de cálculos astutos”, mas o fruto de convicções profundamente pessoais desenvolvidas em meio a milhares de histórias e lutas particulares.
O presidente Wilford Woodruff e o presidente Russell M. Nelson conhecem bem muitas dessas lutas e histórias pessoais. Eles as presenciaram em sua própria vida e na nossa. O presidente Gordon B. Hinckley talvez tivesse em mente tais histórias quando certa pessoa lhe perguntou o seguinte: “Se não usam a cruz, qual é o símbolo de sua religião?”” Ele respondeu que era a vida de nosso povo. “A vida [dos membros de nossa Igreja] deve se transformar na expressão mais significativa de nossa fé e, portanto, na verdade, deve ser o símbolo de nossa adoração. (…) É bem simples, irmãos e irmãs, e bem profundo; e não devemos esquecer disso nunca.”111
No nosso caso, portanto, o que é o espírito de equipe? Em conjunto com as grandes testemunhas escriturísticas e proféticas de Cristo, o presidente Hinckley acrescentou “o [testemunho] de milhares de pessoas que, pelo poder do Espírito Santo, (…) prestam testemunho solene de que Ele é uma realidade viva”.112 Oramos frequentemente pelo profeta e pelas demais autoridades. Pense no que representa o fato de eles também orarem frequentemente por nós. Somos todos parte da mesma equipe, cada um com um testemunho individualmente trabalhado e revelado pelos céus à nossa alma.
Hoje, desafiados por uma sociedade degradada e secular, cujo ácido corrói nossas raízes de fé, assim como a de nossos filhos, às vezes simplesmente esperamos que nosso profeta e líder traga uma solução para tudo; ou será que também olhamos para o interior de nossa alma? No atual momento, quando dermos ao Senhor e à Sua Igreja o benefício da dúvida, o que será e quem será “Sua Igreja”? Estaremos, portanto, depositando nossa confiança não apenas no Senhor e em Seu profeta. Estenderemos essa confiança, igualmente, ao evangelho e a seu poder — ou seja, às certezas pessoais combinadas de todos os santos dos últimos dias de que o Senhor cumpre Suas promessas. Na combinação de todos os paradoxos e inseguranças, refletirão todas aquelas certezas encontradas nos olhos brilhantes de milhões de descobertas pessoais.
E, conforme revelou uma jovem mãe, o maior motivo para dar à Igreja o benefício da dúvida é que ela tem o poder do sacerdócio do Senhor. Portanto, à medida que lhe estendemos nossa confiança, esse poder permanece conosco: “Portanto, persevera em teu caminho e o sacerdócio permanecerá contigo” (D&C 122:9).
Muitos na comunidade dos santos de hoje sentem grande empatia e afeto por seus familiares e amigos que se acham enfraquecidos em sua religiosidade. Os militantes nessa comunidade não são apenas ativos na Igreja, mas são, também, discípulos consagrados de Cristo. Estão batalhando contra suas próprias incertezas, para resolver suas dúvidas em favor do Senhor e de Sua Igreja. Muitos deles vivem na simplicidade que vai além da complexidade e se esforçam para “[erguer] as mãos que pendem e [fortalecer] os joelhos enfraquecidos” (D&C 81:5).
Isso nos fará mais fortes se pudermos confiar no testemunho pessoal arduamente alcançado pelos milhares e milhares que leram, pensaram e oraram sobre o Livro de Mórmon, ano após ano; que serviram uma missão de fé e sacrifício em todo o mundo; que sentiram intimamente a influência do Senhor e Sua aproximação com eles; que viram as promessas da redenção de Cristo produzirem doces frutos em sua vida e na vida das pessoas mais próximas; que muitas vezes contaram a história de Joseph Smith a seus filhos, amigos e desconhecidos — e sentiram o espírito de sua verdade pura e singela. Estamos “rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas” (Hebreus 12:1).
Quem são as pessoas nessa equipe? Estão entre os que têm uma confiança que não depende das circunstâncias, que cresceram além da complexidade para a confiança serena da simplicidade iluminada; que confiaram na liderança profética não como resultado de cálculos astutos, mas porque descobriram as mesmas convicções e sentimentos em sua própria alma. Eles encontraram suas próprias respostas, mesmo que não tenham sido as respostas que inicialmente procuravam. Eles sabem o suficiente para não abandonar sua confiança. Não são do tipo dos que recuam (ver Hebreus 10:35–39).
Quem são as pessoas nessa equipe? “Eis que os justos, os santos do Santo de Israel, os que (…) tiverem suportado as cruzes do mundo e desprezado a sua vergonha, herdarão o reino de Deus, (…) e sua alegria será completa para sempre” (2 Néfi 9:18).
“Estes são os que vieram de grande tribulação [e complexidade], e lavaram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro” (Apocalipse 7:14).
“Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no meu trono, assim como eu venci” (Apocalipse 3:21; grifo do autor).
A verdadeira fé não é cega, nem surda, nem muda. Em vez disso, a verdadeira fé vê e vence seu adversário.